domingo, 6 de junho de 2010

S Ú M U L A C U R R I C U L A R

Mário Moreau aposentou-se em 1992. À data da sua aposentação, era assistente graduado do Hospital de Santa Maria e foi, até então e durante trinta e dois anos, assistente das cadeiras do grupo da Clínica Médica, de que foi titular, durante a quase totalidade daquele período, o Prof. Armando Ducla Soares.
Já desde a adolescência, a Música tem ocupado um lugar importante na sua actividade. Pelos 15-16 anos começou a frequentar com assiduidade as récitas de ópera realizadas no Coliseu dos Recreios e, mais tarde, também no Teatro de S. Carlos. Em 1965 concluíu o Curso Superior de Canto da Academia de Amadores de Música (com 16 valores) e, de certo modo em relação com este, também o Curso de Língua e Cultura Italianas, em 1970 (com 18 valores). Poucos anos depois iniciou a publicação da sua primeira obra: “Cantores de Ópera Portugueses” (3 vol.), a que se seguiram “O Coliseu dos Recreios. Um Século de História”, “O Teatro de São Carlos. Dois Séculos de História” (2 vol.), “Tomás Alcaide” e “Luísa Todi”. Publicou também vários textos em livros, programas do Teatro de S. Carlos, revistas musicais e catálogos de exposições.
A publicação da sua primeira obra tornou o seu nome conhecido além-fronteiras e, assim, passou dede então a ser frequentemente consultado por musicólogos estrangeiros para a edição das respectivas obras. Sobre temas musicais (cantores e teatros de ópera) foram publicados até à data, com a sua colaboração, um total de 35 títulos, em Espanha, França, Itália, Inglaterra, Estados Unidos, Brasil e Argentina.
Desde 1988 é membro do elenco consultivo da Garland Publishing Inc., de Nova Iorque, para assuntos respeitantes à ópera em Portugal.
Tem um total de vinte e seis presenças aos microfones da EN/RDP e da Rádio Renascença e colaborou, por convite, em dois programas sobre cantores portugueses e brasileiros, da série “Evening at the Opera”, do Dr. Douglas M. Fox (Fine Arts Radio, Connecticut, 1998). Entre as presenças aos microfones da RDP contam-se aquelas em que esteve como convidado para comentar, em directo, récitas de ópera realizadas em alguns dos grandes palcos do mundo, como o Teatro de S. Carlos, o Théâtre de Wallonie, de Liège, o Théâtre Royal de La Monnaie, de Bruxelas, o Covent Garden, de Londres e o Metropolitan de Nova Iorque.
Realizou um total de doze conferèncias sobre figuras da música portuguesa, em Lisboa, Setúbal, Olhão e Vila Nova de Gaia.
Fez parte do juri dos concursos de canto “Tomás Alcaide” e do Concurso de canto da Juventude Musical Portuguesa; foi membro da comissão executiva do Concurso Nacional de Canto “Luísa Todi” de 2003 e membro da comissão de honra do mesmo concurso nos de 2005 e 2007; e, em 2008, também membro da comissão de honra da exposição comemorativa do 50º aniversário das récitas de Maria Callas no Teatro de S. Carlos (Lisboa, 1958).
Foi director-geral e director-artístico do Teatro de S. Carlos (1982-84) e membro da direcção da Academia de Amadores de Música (2001-2007).

Agraciado com a Medalha de Mérito Cultural pelo Presidente da República, Prof. Aníbal Cavaco Silva, em 10 de Junho de 2010.


BREVES REFERÊNCIAS ÀS OBRAS PUBLICADAS

CANTORES DE ÓPERA PORTUGUESES

(...) uma obra que não hesito em desde já considerar fundamental para a história da cultura portuguesa. (...) ela ficará, por muito tempo, única e insubstituída no seu campo de incidência. - (João de Freitas Branco, Jornal de Letras, 1982)

(...) ímpar na actual produção literária portuguesa da especialidade e só parceira de alguns raros monumentos congéneres de pesquisa e erudição. (...) Mário Moreau foi capaz, sozinho, de fazer o que até hoje não conseguiu nenhuma equipa de estudiosos em trabalho de natureza paralela, nem sequer na actualização dos já existentes.(...).
Um tal esforço não conhece, infelizmente, em Portugal, qualquer espécie de estímulo, compreensão, aplauso público ou recompensa. Galardoa-se, entre nós, com toda a facilidade, a ficção e a reportagem, o que é o fruto natural da imaginação ou o produto da observação e da maré da oportunidade, com prémios que já vão ao milhar de contos (...), enquanto se passa indiferente, sem menção oficial ou oficiosa, sem televisões nem presidentes ou ministros, por obras como a de Mário Moreau. (...) Só por este labor de inventariação de um património de prestígio, o País terá de lhe estar agradecido. – (Humberto de Ávila, Revista “São Carlos”, 1988).

(…) este dicionário, que eu saiba, único no mundo. De resto, imponente é o adjectivo que me parece adequado para definir um empreendimento de tal dimensão, que honra o autor e o editor que a publicou. – (Giorgio Gualerzi, Giornale della Musica, 1989).

Mas a grandiosidade e a importância desta obra (...) não se avalia somente pela impressionante expressão dos números e pelo que traduzem da magnitude da tarefa, mas também, e principalmente, pelo riquíssimo e incomparável conjunto de informações que traz ao conhecimento e se ergue como pedra basilar da nossa cultura, hoje e para sempre. – (Fernando Pires, Diário de Notícias, 1996).

(...) Devo acrescentar que, com a publicação deste livro, a documentação sobre vidas e carreiras de cantores portugueses ultrapassa largamente a de outros cantores de muitos outros países. Espero que estudiosos e escritores fora de Portugal recebam a mensagem e comecem a fazer o necessário trabalho em relação aos artistas dos seus países o que Moreau fez pelo seu. Se assim for, o trabalho de Moreau é uma obra que eles deverão sempre tentar imitar. – (Thomas Kaufman (The Record Collector, 1996).

COLISEU DOS RECREIOS. UM SÉCULO DE HISTÓRIA

Este livro deveria servir de modelo para todas as futuras cronologias de teatros de ópera. (...). Ele será um elemento essencial de qualquer colecção de livros de ópera e deve ser recomendado nos termos mais calorosos. – (Thomas Kaufman, The Record Collector, 195).

O TEATRO DE SÃO CARLOS. DOIS SÉCULOS DE HISTÓRIA

O dr. Mário Moreau é um dos mais acreditados historiadores da nossa cultura. As suas principais publicações anteriores (...) são exemplo de investigação profunda, meticulosa, honesta e inteligente. (...) – (Manuel Ivo Cruz, Jornal de Notícias, 2000).

TOMÁS ALCAIDE

(...) uma soberba biografia, ilustrada com numerosas fotografias de arquivo, completada com excertos de imprensa e com uma cronologia extremamente pormenorizada. (...) Precioso! – (Opéra International, 2002).

LUÍSA TODI

Todo este percurso e as vicissitudes que o assinalarem, os descreve Mário Moreau de forma sóbria, informativa, documentada, rigorosa. (...) Classificação: *****. – (Fernando Pires, Diário de Notícias, 2002)

Um estranho "Estilo Literário"

Comentários ao livro “Luiza Todi. A voz que vem de longe”, de Victor Luís Eleutério, ou o caso estranho de uma coisa que parecia plágio mas que afinal é apenas um “estilo literário diferente”.


Prefácio

Em Setembro de 1981 publiquei o 1º dos três volumes de “Cantores de Ópera Portugueses”, do qual fazia parte uma biografia de Luísa Todi. Em Janeiro de 2003 foi publicado o livro “Luiza Todi. A voz que vem de longe”, da autoria de Victor Luís Eleutério. A comparação dos dois textos permitiu-me concluir de imediato que este último constituía, na sua maior parte, um aproveitamento ilegítimo do meu trabalho. Victor Eleutério diz na página 33: “Revisitámos a vida da cantora dia por dia, récita por récita, sucesso por sucesso, e, na homenagem possível, devido ao pouco tempo de que dispusemos – quatro meses e meio – (...)”. Tenho grande dificuldade em compreender como foi possível realizar um trabalho de tal extensão e complexidade (“dia por dia, récita por récita”) em quatro meses e meio. O meu trabalho ocupou-me bem mais de meia dúzia de anos. Aliás, nem o meu texto nem o do sr. Eleutério descrevem com tal minúcia a vida da cantora, nem tal seria alguma vez possível. Trata-se, evidentemente, de uma ideia megalómana.
Victor Eleutério descreve alguns factos, inéditos, que poderiam ter interesse mas que perdem grande parte (ou toda…) da credibilidade por não serem apoiados numa referência bibliográfica, de que o autor, aliás, prescinde sempre, no que mostra um conceito muito original de como se deve redigir uma obra desta natureza.
À parte o seu possível contributo pessoal e o que recolheu directamente no meu referido trabalho, o sr. Eleutério comete erros de ortografia (na língua italiana são às dezenas…) e de sintaxe; mostra uma inacreditável ignorância de assuntos elementares de natureza musical; faz traduções de francês e de italiano que poderiam figurar num livro de anedotas; descreve factos importantes descobertos por mim e apresenta-os como resultado das suas investigações; atribui-me erros que eu não cometi e, inclusivamente, a autoria de erros que eu desfiz; e, sem qualquer pudor, inventa coisas que nunca existiram.
Victor Eleutério (ou alguém por ele) deu em tribunal uma explicação ingénua: a de que tinha pessoas amigas em várias cidades de vários países, que obtinham fotocópias e lhas enviavam para Lisboa. Quer isto dizer que as referidas pessoas, residentes ou não nas mesmas cidades aonde eu fui, dirigiram-se às mesmas bibliotecas e arquivos que eu frequentei e, depois de consultarem
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Mário Moreau – Cantores de Ópera Portugueses. Bertrand Editora, Lisboa, 1981.
os mesmos ficheiros e pedirem os mesmos livros e os mesmos periódicos que eu pedi, foram “direitinhas” às páginas de onde eu recolhi informações e pediram fotocópias das mesmas, que depois enviaram para Lisboa para o senhor Eleutério dar a grande parte da sua obra uma redacção que “por acaso”, é quase igual à minha (!!!).
É essa identidade de texto que procuro demonstrar nas páginas seguintes, em que serei referido pelas iniciais M.M. e o autor em questão pelas iniciais V.E..


O “estilo literário diferente” (e não só…)


V.E. (XIV) - Era uma vez uma Voz insubornável, uma Voz de todos os tempos, de meio-soprano e extensa, de timbre excelente. (...). Era uma vez uma Voz insubornável, uma Voz de todos os tempos, de meio-soprano e extensa, de timbre excelente, que encantou e conquistou o mundo culto que a ouviu.
Comentário - Não sei o que mais admirar, se a insistência do autor, se a classificação de "insubornável" para definir a voz de Luísa Todi. E, para além de "insubornável", V.E. classifica também a voz da cantora como de meio-soprano, em parte baseado nas informações de vários autores mal informados, em parte apoiado na sua própria (e nada credível) opinião que exprime no seu mau português: “(...) A justificar esta divisão [não se percebe qual é a divisão...] só pode estar o facto de o timbre ser um tanto velado que, pelas passagens que interpretou nas obras que cantou, só poderia ter a voz de mezzo-soprano”. V.E. não sabe quais foram “as passagens que interpretou” e, se soubesse, suponho que também de nada lhe serviria, mas não custa nada dar-se ares de entendido na consulta de partituras. E, na sua douta opinião, o que é que o timbre velado tem a ver com a voz de meio-soprano?

V.E. (XX) - (...) sendo a cidade da sua eleição Nápoles, onde projectou terminar a sua vida.
Comentário - Nunca li, em parte alguma, que Nápoles tenha sido a cidade de eleição da Todi nem que ela tenha tido o projecto de lá terminar a vida. Em que se baseia V.E.?

V.E. (XXIV) - Vasconcelos assegura que Luiza cantou uma vez mais em Madrid, nesse ano de 1795, na Didone Abbandonata e depois na Armida.
Não se enganara. A carta que ora se publica, escrita em Madrid e datada de 27 de Fevereiro de 1795, vem esclarecer-nos que Joaquim de Vasconcelos estava certo.
Comentário - V.E. ou não percebeu o que leu na carta ou a leitura não lhe serviu para nada. A carta não faz qualquer referência a estas óperas e a Todi não cantou nesse ano a Didone Abbandonata em Madrid. De resto, V.E. diz, com toda a segurança, que Joaquim de Vasconcelos "não se enganara" e que a carta da Todi mostra que aquele autor "estava certo". Ora, a carta não o mostra, nem poderia mostrar, e aquele autor, se o afirmasse, não estaria certo, mas acontece que não o afirma. Mas, por outro lado, ao falar da última temporada em Madrid, V.E. (289-293) segue estreitamente a minha descrição e já não utiliza a tal informação de um autor que "não se enganara". Tal como se pode ver em "Cantores de Ópera Portugueses", a última récita da Todi em Madrid foi com a Armida, em 17 de Fevereiro de 1795, data que V.E. reproduz no seu livro.

V.E. (XXIV) - (...) Burney, Gerber, Choron, Fayolle, Ledebuhr e Schneider, que foram os primeiros e autorizados biógrafos da cantora portuguesa. Contudo, no respeitante a datas, nomes e factos, andava tudo de tal maneira embrulhado e na mais completa das confusões, que sem o seu estudo crítico [refere-se a Joaquim de Vasconcelos] pouco teríamos avançado.
Comentário - V.E. começa por citar autores cujas informações devem ser lidas com apurado sentido crítico, mas chama-lhes "autorizados biógrafos". Não se descortina qual é o seu conceito de "autorizados" e também não é possível, com rigor, chamar àqueles autores "biógrafos de Luísa Todi". São autores que escreveram notas, mais ou menos condensadas e, frequentemente, com erros de vulto, em obras como histórias da música, resumos biográficos de cantores e outras do género. Seria interessante que V.E. nos tivesse dito que conhecimento tem ou o que leu - e onde - das obras dos citados autores. Por outro lado, e muito mais importante, V.E. considera que "andava tudo embrulhado e na mais completa das confusões" (o que é verdade), apesar do contributo dos tais "autorizados biógrafos", mas omite deliberadamente que as datas das óperas cantadas em Madrid (récitas de estreia e récitas seguintes), os elencos, os concertos de Março de 1793, as críticas e até reproduções de páginas de libretos foram publicadas por mim pela primeira vez. Fica no espírito do leitor a ideia de que a barafunda e as confusões feitas por autores anteriores, incluindo eu e os tais "biógrafos autorizados", foram finalmente desfeitas graças à providencial e esclarecida intervenção de V.E.

V.E. (29) - Luiza nasceu só, como nota musical.
Comentário - Esta brilhante imagem dispensa... comentário. Aliás, as notas musicais nascem habitualmente acompanhadas.

V.E. (31) - Os primeiros registos que se conhecem sobre Luiza Todi foram-lhe contemporâneos e sairam inseridos em jornais de informação geral, como The Public Ledger, a Gazzetta Urbana Veneta ou a nossa Gazeta de Lisboa (...) ou em periódicos como o New Daily Advertiser, o Mercure de France ou o Magazin der Muzik.
Comentário - O autor não diz se consultou estes periódicos e, mais ainda, "esquece-se" de dizer que eu publiquei tudo o que havia de importante nesses mesmos periódicos. E mais: se, como diz, V.E. consultou as três últimas publicações referidas, porque não as considera de informação geral?

V.E. (35) - Alimentou-se a lenda [de] que se teria estreado na versão portuguesa do Tartufo, lenda que se desfaz como tantas outras com o presente trabalho.
M.M. (56) - Por tudo isto, somos levados a admitir, sem, evidentemente, o podermos assegurar, que quando representou o Tartufo já a futura grande artista havia pisado o palco do teatro.
Comentário - V.E. não desfaz lenda nenhuma. Limita-se a afirmar peremptoriamente, e sem um fundamento indiscutível, o que eu já tinha dito com o fundamento possível e com as necessárias reservas.

V.E. (35) - Referindo-se à notícia de ter a Todi cantado no Porto em 1801, V.E. conclui: Tudo muito composto mas sem ponta de verdade.
M.M. (166-167) - Encontrámos, porém, referência a um facto do maior interesse, relatado por Jaime de Albuquerque e que também até hoje tem permanecido ignorado. Este autor afirma que Luísa Todi cantou no Teatro de S. João, no Porto, e que lá se estreou em 19 de Janeiro de 1801. Confessamo-nos um tanto perplexos perante esta afirmação, não tanto pelo facto de mais nenhum biógrafo da Todi se lhe referir, como, sobretudo, por Jaime de Albuquerque, em relação a um acontecimento de tal importância, omitir outros pormenores (ópera cantada, por exemplo) e, principalmente, não nos dizer como obteve tal informação. Mas não há dúvida de que Jaime de Albuquerque é categórico, inclusive no pormenor da data e até no dos preços das cadeiras da plateia e da geral (...)
Comentário – O que permite a V.E. dizer “sem ponta de verdade”? Teria tido uma posição mais correcta se explicasse, com base em factos seguros, por que motivo a notícia não tem ponta de verdade; ou então, não dispondo desses dados, se aceitasse a notícia com as reservas que entendesse, tal como eu fiz.

V.E. (36) - (...) João Gomes Varela, que desde Gustavo de Matos Sequeira a Mário Moreau se tem feito dele um mau juizo. Como primeiro empresário de Luiza, compete-nos recolocá-lo no lugar de empresário hábil que foi e sem culpas que o achaquem.
M.M. (187) - Deve sublinhar-se que, pelo menos até esta data, o único documento legal era a escritura lavrada entre o conde de Soure e a sociedade de João Gomes Varela. Todas as combinações posteriores foram meramente verbais, o que não impediu que tivessem sido escrupulosamente cumpridas.
Comentário - Dizer que fiz um mau juizo de João Gomes Varela é mais do que abuso, é calúnia. O excerto que transcrevo da minha obra mostra bem que assim é. E mais uma vez vemos V.E. considerar-se um “cavaleiro andante”, convencido de que está defendendo a honra de um caluniado.

V.E. (46) - Conhecemos um único caso de castração menos mal conseguida, que foi a excepção que deu a regra. Um castrado casado.
Comentário - A excepção não dá a regra, nem a confirma, como, com frequência, se ouve disparatadamente dizer. Pelo contrário, a excepção opõe-se à regra, embora não a invalide. E V.E. poderá conhecer mais casos além do que diz conhecer, se ler o livro "História dos Castrados", de Patrick Barbier, numa tradução de Humberto d'Ávila

V.E. (55) - (...) às três irmãs Aguiar, andou conjuntamente um irmão, elemento da família que ninguém ainda tinha dado pela sua presença nas andanças teatrais, o António José.
(...) Outra novidade está no facto de anteciparmos significativamente a presença de todos os Aguiar, com o pai, professor de música, incluído, nos tabulados da Casa da Ópera.
Comentário - É importante sabermos que Manuel José assinou um contrato com os empresários do Teatro do Conde de Soure, em 6 de Julho de 1763, para lá trabalhar com as suas três filhas e com o filho António José. Mas a actividade de cada uma destas cinco pessoas no teatro só pode ser documentada pelo lançamento de verbas, destinadas ao respectivo pagamento, no livro de contabilidade do teatro, ou então pelo aparecimento do nome noutro documento fidedigno, como é o caso de Isabel Ifigénia. Ora, o nome de António José não figura, que eu saiba, nem no livro de contabilidade nem noutro documento qualquer e, se figura, V.E. também não nos fornece disso qualquer prova, pelo que teremos de considerar como não documentadas todas as afirmações feitas nesse sentido.
Por fim, seria altamente desejável que o sr. Eleutério desse à sua redacção um aspecto menos de "instrução primária" (má...), como aqui novamente se verifica.

V.E. (58) - É lícito que se admita haver por parte de Manuel José de Aguiar e de seus filhos um amplo conhecimento das lides teatrais, das particularidades da ópera, e que já houvesse, pese a pouca idade particularmente de Luiza um real entrosamento tanto no mister de actor como no de cantor.
Comentário - Por que razão é lícito admitir esse amplo conhecimento das particularidades da ópera, quando, que se saiba, nunca se havia cantado ópera em Setúbal? E que “real entrosamento” poderia ter Luísa, com dez anos, e mesmo as irmãs, pouco mais velhas, do mister de actriz ou de cantor? Quando fala do mister de actor e no de cantor, V.E. está a referir-se a Manuel José, que nunca foi nem uma coisa nem outra? De qualquer modo, vemos aqui mais um flagrante exemplo de redacção confusa.

V.E. (59) - Se é verdade o que diz o jornal francês, é de supor que Manuel José de Aguiar obrigasse as suas três filhas a entrarem no Teatro (...). É possível, portanto, que por influência dos fidalgos ou exercendo certa pressão sobre as filhas ou por influxo dos seus conselhos, e ainda ajudando [ajudado] por instâncias dos mesmos fidalgos levasse as suas filhas a seguir a carreira teatral.
Comentário - Para além de mais uma redacção confusa e repetitiva e do erro gráfico incómodo, parece haver uma nítida contradição. Manuel José obrigou as filhas a entrar para o teatro, por sua iniciativa ou por instâncias dos fidalgos? Mas convem dizer que a redacção defeituosa não é de V.E. mas de Ribeiro Guimarães. Com efeito, V.E. copiou integralmente, palavra por palavra, metade de uma página (pág. 13) da obra daquele autor “Biografia de Luísa de Aguiar Todi”, incluindo esta passagem de redacção nada clara (ao contrário do que é habitual em Ribeiro Guimarães). É certo que antes de a transcrever, V.E. diz que o fará “por tal se tornar necessário”, mas não parece fácil descortinar a necessidade de copiar um extenso texto de outro autor para dizer coisas tão simples. Não será antes a força do hábito?


V.E. (60) - Outra lenda que se desfaz é a de que Manuel José não era apenas um copista de pautas, era apenas um músico de rabeca, violinista, e grande conhecedor do mister de cena, particularmente nos entrechos com música.
M.M. (55) - Algumas destas verbas são explicitamente respeitantes a trabalho de copista, mas outras permitem admitir que Manuel José escrevesse também árias e outras composições musicais.
Comentário - V.E. tem a obsessão de desfazer lendas e de se considerar um iluminado. Mais uma vez surge aqui uma má redacção, pois o que V.E. queria dizer era precisamente o contrário. Que Manuel José não seria apenas um copista de pautas, já eu tinha admitido com toda a clareza e com menos de metade das palavras.

V.E. (60) - Luísa Todi, no Tartufo, desempenhou o papel de "Lauriana, a lacaia".
Comentário - Aqui, no penúltimo parágrafo, é o próprio V.E. quem perpetua uma "lenda". Se tivesse reparado melhor na pág. 58 do meu livro veria que nem "Lauriana" era lacaia nem a Luísa foi a "Lauriana".

V.E. (65) - No primeiro parágrafo, diz que na orquestra do Teatro do Conde de Soure figuram duas trompas, dois oboés (...) e um rabecão pequeno.
Comentário - Trata-se de elementos constantes de M.M. (61). Mais uma vez V.E. descobriu o que há muito eu publiquei e não cita a fonte de informação nem refere a minha precedência.

V.E. (66) - Pudemos identificar os elementos da orquestra do Teatro do Bairro Alto.
Comentário - V.E. identificou o que eu já tinha identificado há muito (M.M., 61).

V.E. (74) - Como se comprova o desaire económico ocorrido no Teatro do Bairro Alto (...) foi real e sem conter qualquer trapaça contabilística passada aos seus sócios por João Gomes Varela, como muitos autores o têm pretendido.
Comentário - O desaire económico do Teatro do Conde de Soure também já fôra por mim assinalado (M.M., 193-194), bem como a descrição da sala de espectáculos (V.E. 74; M.M. 192-193), segundo a descrição de Matos Sequeira.
Quanto à redacção, vê-se que V.E. é avaro no uso das vírgulas...

V.E. (75) - V.E. apresenta uma planta como sendo a do Teatro do Conde de Soure.
Comentário - Há sérias objecções. Assim, vêem-se oito camarotes de cada lado e não os onze que existiam; também, ao fundo, vêem-se dois camarotes grandes e não os cinco que se sabe terem existido (ou um camarote grande, para a família real, na segunda ordem). Se a descrição de Matos Sequeira está certa (e V.E. aceitou-a, tal como eu) então não vejo como se poderá identificar esta planta com a do teatro; em qualquer dos casos, e sobretudo se a descrição não está certa, V.E. teria de nos fornecer elementos comprovativos de que a planta apresentada corresponde, de facto, ao Teatro do Conde de Soure. E de resto, numa planta que, se é realmente daquele teatro, terá grande valor documental, seria obrigatória uma reprodução que tivesse a identificação do teatro e cujas dimensões permitissem a leitura das legendas. Tal como está, nem com lente se podem decifrar. Torna-se, portanto, impossível confrontar a planta de V.E. com a descrição feita por Matos Sequeira. Será intencional?

V.E. (82) - Nesta linha de descrédito a João Gomes Varela, Mário Moreau é quem vai mais longe. (...) Se lá tivesse posto a importância que o contabilista exarou, 18$480 e não 18.480$000, como fez, a conta estaria certa e acima de qualquer suspeita. E o bom nome de João Gomes Varela livre de qualquer reparo.
Comentário - V.E. continua a atribuir-me, abusivamente (quase diria: caluniosamente), a intenção de denegrir a imagem de João Gomes Varela. Com idéia maldosa ou por ânsia de notoriedade, diz que aumentei a 5ª parcela do DEVE em 17.461$520, sem admitir que isso possa ter correspondido a um engano de cópia de que eu, lamentavelmente, não me apercebi nem em "Cantores de Ópera Portugueses" nem na recente "Luísa Todi". O erro consistiu, realmente, em transformar 18$480 em 18.480$000. O comentário que eu fiz estaria certo se não tivesse havido um engano na cópia de uma parcela. Infelizmente, houve.
Claro está que ninguém acredita que eu não saiba copiar um número, assim como também ninguém acreditará que o sr. Eleutério não saiba fazer contas de somar. De um engano deste género ninguém está livre, e o sr. Eleutério, que tanto se regozijou com o meu engano (em público e de modo nada elegante...), cometeu, por sua vez, um erro de soma, e logo por azar na mesmíssima conta. Se reparar melhor, verá que a primeira soma do “Deve” não é 37.500$280, como se vê no livro de escrituração do teatro, mas sim 37.509$280 e portanto a segunda soma não será 39.708$069 mas sim 39.716$069. Mesmo sem o meu engano, a conta não "estaria certa", como afirma o sr. Eleutério; a conta estaria (e está...) errada. É bom não nos julgarmos infalíveis. Aqui, numa conta enguiçada, enganou-se o escriturário do teatro a fazer a soma, enganei-me eu a copiar e enganou-se o sr. Eleutério a conferir o resultado...
Finalmente, a troca do DEVE pelo HAVER, também já eu a tinha assinalado.

V.E. (86) - Comentário - Os dois primeiros parágrafos são prosa de meras suposições. O contrato esponsalício de Francesco Todi e de Luísa de Aguiar, esse sim, é inédito e tem muito interesse. Só é pena que, como de costume, V.E. não nos diga onde obteve a informação.

V.E. (89) - Segundo V.E., Francesco Todi morava na Travessa dos Fiéis de Deus, no penúltimo prédio do lado direito de quem sobe, que equivale aos números 148 e 150 actuais.
Comentário - V.E., como é seu hábito, não nos diz como obteve aquela informação, e mais uma vez se engana, pois o referido prédio não se situa do lado direito de quem sobe mas sim do lado esquerdo. A não ser que "de quem sobe" se refira aos números das portas. Nesse caso teremos de concluir que, para V.E. e pelo menos naquela travessa e naquele local, se sobe para baixo e se desce para cima. Para não se prestar a mais uma confusão, V.E. deveria ter dito "do lado direito de quem vem de S. Pedro de Alcântara".

V.E. (90-91) - E agora na Rua dos Condes, porque não sobressaía? Pelo que nos foi dado entender foi por isso, precisamente, porque preferiu ser "décor" e pano de fundo. Remeteu-se a um propositado segundo plano e absorveu quanto pôde dessa "vedeta" que concentrou as atenções gerais do público.
Comentário - Nova afirmação que V.E. faz sem qualquer fundamento, apenas “pelo que nos foi dado entender”. Ele decidiu que eram essas as intenções da Todi e isso bastará para todos acreditarmos.

V.E. (90-91) - Luísa aprendeu a reter a voz, que tão sonora era, para lhe dar o smorzando e torná-la sentimental. Este smorzando era o resultado do timbre velado, que se manifestava sobretudo no canto expressivo. (...) Quando a sua voz natural, acentuadamente de mezzo-soprano, libertava os sons de cabeça e os sons de peito, aliados a um sentimento de expressão sublimada, tornava o canto mais sentido.
Comentário - A esta hilariante prosa, que comentários se podem fazer? Não é imaginável e não é, seguramente, possível dizer maior chorrilho de disparates em tão poucas palavras. Decididamente, V.E. não faz a mais pequena ideia do que está a dizer, nem do ridículo das suas afirmações, nem do que sejam os princípios elementares do canto, o que não o impede de emitir opiniões acerca de um assunto que mostra desconhecer por completo. Aparece aqui mais um exemplo de linguagem indecifrável ao serviço de afirmações sem pés nem cabeça. Isto não merece comentários nem é para levar a sério. Não há comentário possível... Apenas um reparo, que voltarei a fazer mais adiante: Luísa Todi, ao contrário do que V.E. julga, não era meio-soprano.

V.E. (98-103) - O autor faz o relato da briga entre Francesco Todi e Giuseppe Scolari, incluindo a reprodução da importante carta de Guillaume de Barrault.
Comentário - Este episódio já tinha sido referido e a carta também reproduzida na minha obra (M.M. 66-69). V.E. apresenta-os como novidade, omitindo por completo, e mais uma vez, o meu trabalho.

V.E. (107) - Aprenderá música, disse o pai. Ensinar-lhe-emos o canto, secundou a mãe.
Comentário - Mais uma manifestação de falta de rigor descritivo. O autor não está escrevendo um romance, mas uma obra que, embora sem o conseguir, pretende ter rigor histórico.

V.E. (109) – Refere-se às óperas Il Calandrano e Il Geloso, representadas no Teatro da Rua dos Condes.
Comentário - Trata-se de um período da vida da cantora já por mim descrito anteriormente (M.M. 71-73). V.E. descreve os mesmos factos, mais uma vez omitindo que eu já o fizer

V.E. (118, 5º §) - (...) sendo este autor [Mário Moreau] aquele que, sem se desmarcar das hipotéticas teorias dos anteriores, todos eles concordes em afirmar que a Todi cantou então em Madrid, no pino do Verão, a anacrónica Olimpiade de Paisiello, colocou três alternativas, a saber (...)
M.M. (73) - (...) passou no Verão desse ano por Madrid, onde, segundo tem sido geralmente aceite, teria cantado uma ópera intitulada Olimpiade. Fétis afirma ser Paisiello o seu autor, o mesmo fazendo depois Joaquim de Vasconcelos, Ribeiro Guimarães, Ernesto Vieira, Hugo Rieman (Dicionário da Música) e, mais recentemente, Celletti e Tomás Borba e Lopes Graça, todos eles, certamente, por se terem limitado a reproduzir a informação do primeiro sem a preocupação de averiguar a sua verosimilhança. Ora a verdade é que a Olimpiade, de Paisiello, só foi estreada, no San Carlo, de Nápoles, alguns anos mais tarde (1786, segundo Tintori e Leibowitz, mais precisamente em 20 de Janeiro de 1786, segundo Anna Mondolfi).
Verificada, pois, a impossibilidade de Luísa Todi ter cantado então a referida ópera, como se escreveu durante mais de um século, três hipóteses me surgiram como possíveis. (...)
Comentário - Como é que V.E. se atreve a dizer que não me demarquei das afirmações de outros autores, quanto à hipotética estreia da Olimpiade em Madrid, se logo a seguir enuncia as três possibilidades que eu admito para explicar o erro de autores anteriores? Mais uma vez a desonesta intenção (aqui mal disfarçada) de me atribuir erros para depois supostamente os corrigir.
E quanto a "desmarcar", o que V.E. deve ter querido dizer é
“demarcar”. Mais um erro de ortografia... ou o desconhecimento do sentido de uma palavra.

V.E. (129-132) - Ribeiro Guimarães, na "Biografia de Luísa Todi" rejeitou liminarmente a viagem a Londres em 1772. Ernesto Vieira, no seu "Dicionário Biográfico de Músicos Portugueses", não emitiu opinião. A entrada "Luísa Todi" na "Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira" dá a viagem a Londres como acontecimento provado, numa ocasião em que o facto já não oferecia dúvidas.
Foi questão que não alimentou mais polémica, dando-se por erradas as indicações fornecidas por Burney, Choron e Fayolle e por erróneas as que numa mesma linha seriam seguidas por outros autores.
O que não deixou margem para hesitações foi que Luiza Todi cantou pela primeira vez no King's Theatre em 1777 (...).
Comentário - Todo este capítulo é um aproveitamento despudorado do meu trabalho, inclusive nas transcrições de notícias de jornais (truncadas no mesmo local...) e na não indicação do elenco de L'Amore Artigiano, também não referido nos "Cantores de Ópera Portugueses". Todas as datas, tanto das récitas de estreia como das seguintes, bem como papéis interpretados e nomes de outros cantores foram também copiadas do meu livro (M.M. 75-78). Fui eu quem pela primeira vez fez a recolha destes elementos e quem excluiu, em definitivo, a possibilidade de a Todi ter estado em Londres em 1772, para o que tive de me deslocar a Londres e consultar os periódicos daqueles anos. O sr. Eleutério vem agora, mais de duas décadas passadas, "descobrir" (no meu livro...) os factos que eu já há muito descobrira (no local próprio...).
A citação de Burney, Choron e Fayolle, aqui fornecedores de "indicações erradas", faz-me concluir que V.E. já mudou de opinião acerca daqueles autores, a quem, na pág. XXIV, considerou "biógrafos autorizados" de Luísa Todi.

V.E. (134) - Afirmou Ribeiro Guimarães, como Joaquim de Vasconcelos também o fez, que no "Tableau Raisonné" há notícias extensas dos concertos de Paris de 1 de Novembro de 1778 a 29 de Março de 1779, mas que daí em diante, numa completa omissão, não se encontra nada mais. Esta constatação dos dois primeiros biógrafos de Luiza Todi levaria Mário Moreau a considerar que aqueles autores punham um definitivo ponto final nos Concerts Spirituels, que ainda iam na sua nona edição, quando assim não foi. O que deixou escrito Ribeiro Guimarães é bastante explícito: "Pelo acima referido jornal temos notícias exactas dos concertos em Paris, desde 1 de Novembro de 1778 a 29 de Março de 1779; daí em diante não encontrámos mais notícias". Como também encontramos explicitude em Joaquim de Vasconcelos quando escreve: "Pelo acima citado jornal [Tableau Raisonné] temos notícias exactas dos concertos em Paris desde 1 de Novembro de 1778 até 29 de Março de 1779; daí em diante não encontramos mais notícias".
M.M. (86-87) - Todo o período que vai de 29 de Março de 1779 a princípios de 1781 tem sido até hoje uma incógnita total. Fétis (...). Joaquim de Vasconcelos (...). Ribeiro Guimarães (...). Ernesto Vieira (...). Eis o nosso contributo para o esclarecimento desses quase dois anos da vida de Luísa Todi (...)."
Comentário - Novamente V.E., sem qualquer espécie de rigor na sua apreciação, a inventar uma dedução errada da minha parte. Diz V.E. que Joaquim de Vasconcelos consultou os quarenta volumes do Mercure de France. Daqui é legítimo deduzir que, se este autor fez tão extensa pesquisa e não encontrou mais nada nessa temporada de 1778-79, implicitamente toma como verdadeira a data de 29 de Março de 1779 como a do último concerto de Luísa Todi. Ribeiro Guimarães também diz claramente que não encontrou mais notícias depois de Março de 1779. Que raciocínio vesgo ou que intenção malévola levam V.E. a afirmar que errei nas minhas conclusões?

V.E. (134) - Inicia-se aqui o relato dos 17 concertos dessa primeira temporada em Paris, com as datas, os nomes dos outros intérpretes e os trechos cantados por Luísa Todi exactamente como já haviam sido apresentados por mim. Em particular, a partir do concerto de 29 de Março tudo é descrito como se tivesse sido produto do trabalho de V.E., sem qualquer referência à minha investigação.
V.E. falta à verdade quando diz que o relato desses concertos é feito a partir das notícias publicadas no Mercure de France e no Journal de Paris (as tais fotocópias declaradas em tribunal...). Esses dois jornais não nos dão todos os pormenores que o sr. Eleutério apresenta e que só pode ter recolhido no meu livro (bem como as notícias daqueles jornais), onde reproduzo os elementos fornecidos por Constant Pierre, autor a que o sr. Eleutério não faz qualquer referência.
A comparação, concerto por concerto, ultrapassaria em muito os limites aceitáveis de espaço. Apenas alguns exemplos:

V.E. (134-135) - Esse primeiro concerto foi constituído da seguinte forma: sinfonia de Sterkel; rondó italiano de Sarti, cantado pela Duchateau; concerto de Bach, pela cravista Carlin, uma jovem de 13 anos e cega desde os seis meses; concerto para clarinete, de Baer; concerto para violino, de La Motte, pelo violinista Haacke; "De Profundis" de Roze, cantado pelos elementos femininos Petit, Malpied e Duchateau e masculinos LeGros e Rousseau; ária italiana de Piccinni, o Racine da música, pelo cantor Guichard. Quanto à intervenção de Luiza Todi consistiu na execução de uma ária de bravura, de Sacchini e uma ária de bravura e cena da ópera Alessandro nelle Indie, de Piccinni.
O "Mercure de France", na edição de 15 de Novembro, referiu-se ao concerto com o devido destaque para a cantora Todi.
"Le jour de la Toussaint il y eut Concert Spirituel dans la Salle ordinaire du Château de Tuileries (...). Mais ce qui a rendu ce concert [...] attirent dans cette Capitale."
M.M. (79) - Voltando propriamente à actividade artística da cantora, damos em seguida a lista completa dos Concertos Espirituais em que tomou parte nessa primeira temporada em Paris. É a primeira vez que tal lista é apresentada numa publicação de língua portuguesa, o que, aliás, sucederá também em relação às temporadas seguintes. Algumas críticas do "Mercure de France", que transcrevemos aqui e mais adiante, foram já apresentadas por Joaquim de Vasconcelos; outras são inéditas. As de outros jornais são apresentadas pela primeira vez entre nós.
1º (nº 986): 1 de Novembro de 1778 - Programa constituído por sinfonia de Sterckel; rondó italiano de Sarti, cantado pela Duchateau; concerto de Bach, pela jovem cravista Carlin, de treze anos de idade e cega desde os seis meses; concerto para clarinete, por Baer; concerto para violino, de Lamotte, pelo violinista Haacke; "De Profundis", de Roze, pelas cantoras Petit, Malpied e Duchateau e pelos cantores Legros e Rousseau; ária italiana, de Piccinni, pelo cantor Guichard. Luísa Todi cantou uma ária de bravura, de Sacchini, e uma ária de bravura e cena, da ópera Alessandro nelle Indie, de Piccinni.
Le jour de la Toussaint il y eut Concert Spirituel dans la Salle ordinaire du Château de Tuileries (...)
Mais ce qui a rendu ce concert [...] attirent dans cette Capitale. (Mercure de France, 15-Nov.-1778).
Comentário - Sublinhe-se que esta crítica foi truncada por V.E. no exacto local em que eu o havia feito [Tuileries].

V.E. (135) - O segundo concerto realizou-se em 8 de Dezembro desse mesmo ano (...). O programa diz-nos que a representação abriu com o violinista Jarnowick, o baixo Moreau, da Academia Real de Música, a violinista Deschamps, a cantora Saint-Huberti e o violoncelista J. L. Duport. Luiza Todi cantou uma ária de Paisiello e, a terminar o concerto, a ária "Se il ciel mi divide", de Piccinni.
Eis o que se escreveu no "Journal de Paris", de 10 de Dezembro:
Rien n'est comparable au ravissement (...) toute idée de difficulté.

O "Mercure de France" analisava do seguinte modo o concerto do dia da Conceição:
Le huit de ce mois (...) la plus accomplie.
M.M. (80) - 2º (nº987): 8 de Dezembro de 1778 - Com o violinista Jarnowick, o baixo Moreau, a violinista Deschamps, a cantora Saint-Huberti e o violoncelista J. L. Duport. Luísa Todi cantou uma ária de Paisiello e, a terminar o concerto, a ária "Se il ciel mi divide", de Piccinni.
Le huit de ce mois (...) la plus accomplie. (Mercure de France, 15-Dez.-1778).
Rien n'est comparable au ravissement (...) toute idée de difficulté. (Journal de Paris, 10-Dez.-1778; transcr. por Constant Pierre).
Comentário - De referir, que a crítica do "Mercure de France", que eu não reproduzi por inteiro, por considerar que a sua extensão o não justificava, foi reproduzida na íntegra por Joaquim de Vasconcelos. Tal como este autor, V.E. também a reproduziu integralmente. E além do Mercure de France, que diz ter consultado, V.E. também leu o Journal de Paris, como deixa subentender?
A indicação de Moreau pertencer à Académie Royale de Musique não foi descoberta de V.E.; encontra-se na gravura da pág. 83 de "Cantores de Ópera Portugueses", gravura que V.E. só conhece da minha obra.

V.E. (138) - (...). Luiza Todi cantou duas árias de Sacchini, sendo a segunda da Olimpiade.
M.M. (82) - 6º (nº991): 21 de Março de 1779 - (...). Luísa Todi cantou duas árias de Sacchini, a segunda das quais da Olimpiade.
Comentário - V.E. transcreve a crítica por mim apresentada, e truncada no mesmo local.

V.E. (138-139) - (...) Coube a Luiza Todi cantar duas árias italianas, a segunda das quais composta de cena. (sic!)
M.M. (82) - 7º (nº 993): 25 de Março de 1779 - (...) Luísa Todi cantou duas árias italianas, a segunda das quais com cena.
Comentário - Uma ária "composta de cena" é mais um exemplo da terminologia musical do sr. Eleutério, para uso próprio e de grande originalidade. É evidente que V.E. quis fugir à reprodução ipsis verbis das minhas palavras, mas a pequena modificação fê-lo cair no disparate.

V.E. (139) - Quanto ao concerto do dia seguinte, 1 de Abril (...). Luiza Todi cantou uma ária italiana e novamente o Stabat Mater, de Pergolesi, desta vez com o cantor Guichard.
M.M. (84) - 11º (nº 998): 1 de Abril de 1779 - (...) Luísa Todi cantou uma ária italiana e novamente o Stabat Mater, de Pergolesi, agora com o cantor Guichard.

V.E. (140) - No décimo quarto concerto, Todi teve uma mais ampla actuação. O seu talento fazia crescer o seu valor. Realizou-se no dia 6 de Abril e teve o seguinte elenco. O violoncelista Bréval, o oboísta L. A. Lebrun, os violinistas Pieltain e Lefebvre e os cantores LeGros, Moreau e Amantini. Luiza Todi cantou um motete de Prati, com LeGros e Moreau, um recitativo com acompanhamento de violino e uma ária nova de Piccinni.
M.M. (84) - 14º (nº 1003): 6 de Abril de 1779 - Com o violoncelista Bréval, o oboísta L. A. Lebrun, o violinista Pieltain, o violinista Lefebvre e os cantores Legros, Moreau e Amantini. Luísa Todi cantou um motete de Prati (com Legros e Moreau), um recitativo com acompanhamento de violino e uma ária nova de Piccinni.
Comentário – É mais uma vez evidente o decalque no meu trabalho, mas não deixa de ser curioso verificar um certo grau de ingenuidade de V.E., que transparece nas duas primeiras frases. Pelos vistos, V.E. supõe que a Todi cantou mais uma peça neste concerto como recompensa de ter agradado muito nos concertos anteriores, não imaginando que isso pudesse ser apenas uma conveniência de programação. E, pelos vistos, pensará também que quando a cantora, em concertos seguintes, cantou apenas dois números isso se terá devido ao facto de não ter agradado tanto neste concerto. Dir-se-ia que, para V.E., o número de obras cantadas em cada concerto é uma espécie de cotação na Bolsa...

V.E. (140) - No dia 9 de Abril realizou-se o décimo quinto concerto, com o violinista L. A. Janson, o clarinetista Baer, o violinista Pieltain, os cantores Amantini e Guichard e a cantora Lebrun. Luiza Todi cantou uma ária italiana e o Stabat Mater, de Pergolesi, com a cantora Guichard.
M.M. (85) - 15º (nº 1004): 9 de Abril de 1779 - Com o violinista L. A. Janson, o clarinetista Baer, o violinista Pieltain, os cantores Amantini e Guichard e a cantora Lebrun. Luísa Todi cantou uma ária italiana e o Stabat Mater, de Pergolesi, com Guichard.
Comentário - Desta vez, V.E. averiguou que a obra de Pergolesi é normalmente cantada por duas vozes femininas e daí deduziu que Guichard era uma "cantora". Enganou-se novamente. Guichard era um homem. Provavelmente "incompleto", mas era um homem. Mais importante e mais significativo é o facto de, por lapso, eu ter referido, no concerto, a colaboração do “violinista Janson” (Louis-Auguste Janson), quando na realidade, se tratava de um violoncelista. Então, não é que o sr. Eleutério o refere também como violinista? Terá cometido, por diabólica coincidência, o mesmo lapso que eu ou simplesmente também aqui copiou o meu trabalho?

V.E. (140) - No décimo sétimo e último concerto da temporada, que se realizou a 13 de Maio de 1779, o director LeGros contou com os seguintes instrumentistas, o violinista Satory e o oboísta L. A. Lebrun, e os cantores Moreau, ele próprio e Chéron. Luísa Todi, que entrara em todos os concertos, cantou uma ária cómica de Sacchini e uma ária de Traetta, em recitativo.
M.M. (85) - 17º (1006): 13 de Maio de 1779 - Com o violinista Satory, o oboísta L. A. Lebrun e os cantores Moreau, Legros e Chéron. Luísa Todi cantou uma ária cómica de Sacchini e uma ária (ou uma cena) de Traetta.
Comentário - V.E., a seguir, reproduz a crítica do Mercure de France que apresento na pág. 85, truncada exactamente no mesmo local. E assinale-se este delicioso achado da "ária em recitativo", que ninguém sabe o que seja e que é apenas o resultado de uma tradução disparatada, feita por uma pessoa que, pelos vistos, não sabe o que é um recitativo nem o que é uma ária.
Por fim, outra afirmação irreflectida: "Luiza Todi, que entrara em todos os concertos". Se V.E. tivesse tido menos precipitação na consulta do meu livro teria visto que a Todi não cantou nos concertos 992, 996, 1000 e 1002. E se, como foi declarado em tribunal, tivesse consultado o livro de Constant Pierre, também não se perceberia como pôde cometer este erro.

V.E. (141-142) - Encontra-se em "Souvenirs de Madame Louise-Elisabeth Vigée-Lebrun, a pintora quem se deve o quadro de Luiza Todi, alguma informação sobre tão aristocráticas reuniões, como pormenores que vêem enriquecer o nosso conhecimento sobre a cantora.
Après mon mariage je logeais encore rue de Cléry (...) avec la même perfection.
M.M. (85) - Além dos Concertos Espirituais, Luísa Todi cantou também frequentes vezes nas famosas reuniões em casa da pintora Vigée-Lebrun. Vejamos como a própria pintora as descreve.
Après mon mariage je logeais encore rue de Cléry (...) avec la même perfection.
Comentário - V.E. reproduz o mesmíssimo texto da Vigée-Lebrun que eu apresento nas págs. 85-86. Mas, já agora, uma recomendação: cuidado com os habituais erros de ortografia. Os pormenores não "vêem enriquecer"; "vêm enriquecer".

V.E. (142) - A frequência com que Luiza Todi se apresentou (presente em todos os Concertos Espirituais da temporada) (...)
Comentário - Aqui, V.E. é reincidente no erro. A Todi não cantou em todos os concertos da temporada, como já atrás ficou dito.

V.E. (143, legenda) - Wolfgang Amadeus Mozart ouviu Luiza Todi cantar em Paris.(...). 144: W. A. Mozart encontrava-se, então, em Paris. Dificilmente teria deixado de ver e ouvir Luiza Todi (...)
Comentário - Se isso fosse verdade, mereceria uma referência mais pormenorizada e não uma simples afirmação do estilo "magister dixit". Por muito que a si próprio se considere uma autoridade neste assunto - e, provavelmente, noutros - não seria mau que o sr. Eleutério condescendesse em indicar-nos o documento em que baseia aquela afirmação. A verdade é que se trata de mais uma afirmação sem qualquer base, nascida apenas da ânsia do autor em revelar coisas que ainda ninguém dscobrira. Na verdade, Mozart chegou a Paris em Março de 1778, mas abandonou a cidade em 26 de Setembro desse ano, a caminho de Salzburg, onde chegou em Janeiro de 1779. Luísa Todi, vinda de Londres, chegou a Paris em Outubro de 1778, um mês depois da partida de Mozart.

V.E. (144) - Em 1780 o "Concert Italien des Amateurs" deu lugar ao "Concert de la Loge Olimpique", quando os societários decidiram mudar-se para a Rue Coq-Heron. Também aqui se apresentou Luiza Todi.
Comentário - Nunca li notícia segura de que a Todi tivesse cantado no Concert de la Loge Olympique (e não Olimpique...). V.E. consultou algum documento fidedigno que pretenda manter secreto, ou trata-se de mais um produto da sua imaginação?

V.E. (144) - Os Concerts Spirituels cessaram em 1789.
Comentário - Não é verdade. O último realizou-se em 13 de Maio de 1790. É estranho como foi possível a V.E. cometer mais este erro acerca dos Concertos Espirituais, tendo tido o livro de Constant Pierre à sua disposição, conforme foi dito em tribunal. Não terá feito as fotocópias suficientes?

V.E. (146-154) - V.E., no capítulo intitulado O atribulado final de ano de 1778 relata factos inéditos e de inegável interesse da vida de Cecília Rosa de Aguiar.
Comentário - Não consegue, porém, fugir à tentação de se apossar, mais uma vez, do produto da investigação alheia ao apresentar o registo de óbito da artista como sendo descoberta sua. De facto, fui eu quem o conseguiu encontrar depois de meses de pesquisa e quem o publicou pela primeira vez, e em fac-simile, em "Cantores de Ópera Portugueses" (pág. 38). E também toda a restante informação carece de apoio bibliográfico, como é hábito. É de acreditar que os factos relatados sejam verdadeiros, mas quando o são por um autor que inventa coisas que nunca existiram, como veremos mais adiante, é legítimo acolher esse relato com alguma reserva.

V.E. (159) - Teve-se, durante cerca de cem anos, um total desconhecimento, relativamente ao casal Todi, no espaço de tempo que decorreu entre o final dos Concertos Espirituais, na temporada de 1778/1779, e o ano de 1781. (...)
Foram lançadas as mais variadas hipóteses e posta de pé uma engenhosa arquitectura conjuntural. Finalmente, com base nas informações prestadas pelo Mercure de France, de 18 de Dezembro de 1779 soube-se que o período entre Junho e Dezembro desse ano foi preenchido por uma digressão em que a cantora se apresentou em concertos nas cidades de Lyon, Genève, Grenoble, Marselha, Motpellier e Bordéus com idêntico acolhimento ao que se verificara em Paris tanto a nível dos Concertos Espirituais como das récitas particulares.
M.M. (86) - Todo o período que vai de 29 de Março de 1779 a príncipios de 1781 tem sido até hoje uma incógnita total. Fétis afirma que a cantora veio a Lisboa no Verão de 1780, que aqui cantou durante um ano, que regressou depois a Paris, onde chegou em Outubro de 1781 para cumprir um contrato anteriormente firmado com os directores dos Concertos Espirituais e que no ano de 1782 foi cantar a Berlim.
Joaquim de Vasconcelos aceita a informação de Fétis, excepto no que respeita à ida a Berlim, que situa em 1781, baseado em notícias de publicações musicais alemãs contemporâneas. Fala ainda de uma temporada em Turim, que situa imprecisamente entre Março de 1789 e Outubro de 1781.
Ribeiro Guimarães diz não ter conseguido encontrar qualquer notícia da vinda da cantora a Lisboa em 1780 ou 1781.
Ernesto Vieira informa que "os triunfos obtidos em Paris valeram-lhe ser imediatamente escriturada para Turim como primeira dama" e que a estreia naquela cidade se deu no Carnaval de 1781.
Eis o nosso contributo para o esclarecimento destes quase dois anos da vida de Luísa Todi. Em primeiro lugar, como já vimos, desde 29 de Março a 13 de Maio de 1779 continuou em Paris, a cantar nos Concertos Espirituais. Nos meses seguintes esteve numa digressão de concertos por várias cidades do sul da França (Lyon, Grenoble, Marselha, Montpellier e Bordéus) e da Suíça (Genève). Esta informação consta de uma crítica do Mercure de France que adiante transcrevemos.
Comentário - O aproveitamento que V.E. faz do meu trabalho vem em crescendo e atinge a fronteira do descaramento. Segundo ele, durante cem anos reinou "um total desconhecimento" em relação a este período (o que é verdade) mas chegou finalmente a pessoa que veio lançar luz sobre o assunto e esclarecer em definitivo todo o problema. "Finalmente, com base nas informações prestadas pelo Mercure de France de 18 de Dezembro de 1779, soube-se (...)". Soube-se, graças a que investigação? O sr. Eleutério, como é seu hábito, continua dando a entender que as informações fundamentais respeitantes a Luísa Todi foram obtidas graças às suas pesquisas, numa manifestação de autêntico parasitismo intelectual.

V.E. (159 e segs.) - No dia 8 de Dezembro reapareceu ao público de Paris e cantou um rondó italiano composto por Paisiello, a ária "Se il ciel mi divide", de Piccinni, e "Poro dunque morì", da ópera Alessandro nelle Indie, a qual já cantara no segundo concerto da temporada anterior, com muito agrado, cuja informação devemos ao referido jornal de Paris [Mercure de France], edição de 18 de Dezembro de 1779.
Madame Todi, après une absence (...) des âmes sensibles et éclairées.
M.M. (87) - Em Dezembro de 1779 Luísa Todi reapareceu em Paris, de novo nos Concertos Espirituais, de que cantou até Maio de 1780 uma série de quinze.
1º (nº 1012): 8 de Dezembro de 1779 - Ária "Se il ciel mi divide", de Piccinni, "Poro dunque morì", da ópera Alessandro nelle Indie, de Piccinni, e um novo rondó italiano, de Paisiello.
Madame Todi, après une absence (...) des âmes sensibles & eclairées. (Mercure de France, 18-Dez.-1779).
Comentário - Torna-se desnecessário fazer o confronto entre as informações prestadas por mim e por V.E. no respeitante aos concertos seguintes. Tal como em relação à anterior temporada de Paris, o aproveitamento do meu trabalho é por demais evidente. Sublinhe-se apenas que nesta temporada, ao contrário da anterior, não faço referência aos outros intérpretes. V.E., em 1778-79 também os referiu; agora também os omite. Porque será?
V.E. reproduz a crítica do Mercure de France que eu já publicara e, com o à-vontade que exibe a cada passo, diz-nos "cuja informação devemos ao referido jornal de Paris, edição de 18 de Dezembro de 1779". E, como se tudo isto não bastasse, novo êrro: a Todi, no segundo concerto da temporada anterior (8 de Dezembro de 1778), não cantou a ária “Poro dunque morì” nem com muito agrado nem com pouco agrado. Pura e simplesmente não cantou. E o Mercure de France também não o diz, nem poderia dizer. Como foi que o sr. Eleutério inventou mais esta notícia?

V.E. (160) - O Mercure de France prossegue sendo o nosso informador privilegiado pelo que nos permite conhecer do "compte rendu" de cada concerto realizado na Sala dos Suíços do Palácio das Tulherias.
Comentário - "O nosso informador", não privilegiado mas exclusivo, continua a ser o meu trabalho. Para não alongar demasiado, bastará dizer:
a) que V.E. reproduz todas as informações respeitantes aos Concertos Espirituais, das temporadas anteriores e desta, como das seguintes, constantes da minha referida obra (datas, elencos, obras cantadas, críticas, etc.).
b) que essa reprodução não foi feita a partir do Mercure de France, onde não se encontram todos esses elementos (V.E. falta à verdade quando diz que sim) mas a partir da minha obra, que os recolheu do livro de Constant Pierre.
Apenas mais alguns exemplos:

V.E. (161) - No sétimo, realizado no dia 22 de Março, cantou uma ária de Guglielmi e o já célebre Stabat Mater, de Pergolesi, com a cantora Nihoul, que agradava, sobremaneira, ao público que acorria aos Concertos Espirituais.
Comentário - Um pequeno pormenor: a cantora Nihoul era apenas... o cantor Nihoul. O sr. Eleutério, mais uma vez, troca o sexo ao intérprete, pois, ao contrário do que pensa, tratava-se de um homem.

V.E. (162) - O tempo sobre o qual pairou um maior desconhecimento, pois que só a ele ficaria reduzido, quer relativamente à actividade profissional da cantora quer ao que teria feito, sob o ponto de vista privado, ou onde teria estado, por falta de uma notícia esclarecedora nesta matéria, foi o decorrido entre o final da temporada em Paris, ou seja 4 de Maio de 1780, e o Carnaval de 1781.
M.M. (89) - O período que vai de Maio de 1780 até fins do mesmo ano continuará ainda no campo das incógnitas, pois não conseguimos encontrar qualquer notícia esclarecedora.
Comentário - V.E. demonstra aqui como se pode dizer uma coisa simples com um discurso comprido... e muito confuso.

V.E. (165) - No entanto os dados foram um tanto ou quanto baralhados mercê de uma referência de Fétis, como ia sendo costume. Acresça-se que Strona aumentou as dúvidas, mas Schmidl e Ernesto Vieira acabaram por pôr as datas no sítio. Assim iam, em 1872, os conhecimentos sobre a escrituração de Luiza Todi para cantar na temporada de ópera do Teatro Régio, divididos entre dois autores caturras que, com a devida vénia, não hesitavam em dizer um ao outro o que lhes ia na alma.
Assim, já não surpreende ninguém a digressão a Turim da ilustre cantora. Contudo, sentimo-nos obrigados a referi-la.
Os resultados que Luiza Todi obtivera em Paris foram o passaporte que a levaria a Turim para cantar no Teatro Régio.
M.M. (89) - Em fins de 1780, como já outros autores referiram, Luísa Todi apresentou-se em Turim com um contrato que, segundo uma crítica do Mercure de France adiante transcrita, parece ter sido consequência dos grandes triunfos obtidos em Paris. Luísa Todi estreou-se no Teatro Regio na temporada de 1780-81, durante a qual cantou as únicas duas óperas que preencheram a temporada, ambas em estreia absoluta. A primeira foi a Andromaca, de Martin y Soler. Strona deixa-nos dúvidas quanto ao ano da estreia, pois em locais diferentes do seu trabalho indica os anos de 1780 e 1781, mas Schmidl afirma ter sido neste último e Ernesto Vieira concretiza mais; Carnaval de 1781. Contudo, no que respeita a temporadas líricas, deve ter-se em conta que "Carnaval" significa a temporada que se prolongava de Dezembro a Fevereiro.
Comentário - De novo, o aproveitamento abusivo do meu trabalho e a inevitável omissão do mesmo. De facto, se V.E. se dispusesse a citar-me cada vez que descreve factos já anteriormente descritos por mim, encheria o seu livro com citações do meu nome.
V.E. cita Strona sem nos dizer onde o leu e dizendo apenas que ele "aumenta as dúvidas mas Schmidl e Ernesto Vieira acabaram por pôr as datas no sítio".
Felizmente que V.E. não leu, ou não leu a tempo, o meu recente trabalho sobre a cantora, onde já indico com exactidão as datas e outros elementos de interesse, nomeadamente os elencos completos, pois de contrário tê-los-ia também copiado. Assim, limitou-se a copiar os elencos incompletos que tenho nos "Cantores de Ópera Portugueses". Claro que não diz onde colheu esses elementos, como é seu hábito.

V.E. (172) - Voltando a Sampaio Ribeiro, este biógrafo de Luiza Todi afirma que por duas vezes cantou em Karlsruhe em 1782 e faz menção especial que uma delas foi no dia 16 de Setembro desse ano de 1782. Esta data aparece impressa no libreto da composição cantada pela Todi naquele dia, o que não deixa margem para dúvidas. Tratava-se de uma obra de Schmittbauer, que então exercia o cargo de mestre de capela do Margrave, que foi escrita intencionalmente para que a cantora portuguesa a interpretasse.
M.M. (91) - Sampaio Ribeiro ("Luísa de Aguiar Todi", pág. 72) diz-nos por duas vezes que a cantora se apresentou em Karlsruhe em 1782, precisando numa delas o dia e o mês: 16 de Setembro. Esta informação merece-nos o maior crédito, não só pela repetição da data, que torna quase inaceitável a possibilidade de uma gralha tipográfica, como pelo facto de se basear na data impressa no libreto da composição cantada pela Todi naquele dia. Tratava-se de uma obra de Schmittbauer, então mestre de capela do Margrave, escrita propositadamente para ser cantada pela nossa compatriota.
Comentário - Uma nota importante: V.E., em muitas das vezes que não copia textualmente a minha prosa, faz-lhe pequenas modificações para criar a ideia de que não cometeu a fraude. Foi o que sucedeu aqui. A sua preocupação de modificar um pouco o meu texto levou-o a escrever uma coisa diferente do que aconteceu. O que eu escrevi foi que Sampaio Ribeiro diz por duas vezes que a Todi se apresentou em Karlsruhe em 1782 e não que a cantora cantou por duas vezes naquela cidade em 1782.

V.E. (175) - Servindo-nos dos dados colhidos por Mário Moreau, a quem se deve um certo arrumo, a todos os aspectos de grande importância, no que concerne à extensa digressão artística de Luiza Todi durante os seus vinte anos europeus, a estreia de Nitteti foi já no início de 1783, conforme informação colhida em Schmidl, e em Oscar Strona (este indica as duas datas, 1782 e 1783).
Comentário - V.E. concede que me é devido "um certo arrumo em todos os aspectos de grande importância (...)”. Em todo o caso, o "certo arrumo" continua a servir ao sr. Eleutério como "bengala" para a redacção do seu trabalho. Aqui, mais uma vez, recorre à indicação dos elencos que, ainda incompletos, apresento em "Cantores de Ópera Portugueses". Já que o sr. Eleutério considerou dispensável apresentar uma bibliografia, seria interessante sabermos o que leu de Schmidl e de Strona e onde.

V.E. (177) - Seguindo idêntico critério ao adoptado para os anteriores concertos e segundo o já referido arrumo dado por Mário Moreau, relataremos o que Joaquim de Vasconcelos recolheu relativamente à participação da cantora portuguesa e os trechos que cantou, tudo isto num relato circunstanciado sobre a temporada em que se desenvolveu a rivalidade entre a Todi e a Mara (...).
Comentário - Neste momento já não nos conseguimos admirar com o despudor e com as contradições do sr. Eleutério. Assim:
a) Os anteriores concertos foram descritos seguindo linha por linha a minha referida obra.
b) O sr. Eleutério continua a não explicar em que consiste o "referido arrumo", expressão muito vaga a que o meu nome aparece associado, só para que não se diga que não sou citado.
c) "Relataremos o que Joaquim de Vasconcelos recolheu relativamente à participação da cantora portuguesa e os trechos que cantou, tudo isto num relato circunstanciado (...)". Afinal V.E. faz um relato circunstanciado reproduzindo o que disse Joaquim de Vasconcelos? ou o que disse eu? Qual foi o seu contributo pessoal?
Apenas mais alguns exemplos.

V.E. (177) - No segundo concerto, a 11 de Abril, interpretou a ária de bravura de Ferrara e o rondó de Martini, comparticipando Viotti.
O Mercure de France, na edição de 19 de Abril, referiu-se aos dois primeiros concertos.
On a pu distinguer déjà, (...) et que nous désirons sincèrement.
M.M. (93) - 2º (nº 1094): 11 de Abril de 1783 - Ária de bravura de Ferrero e rondó de Martini. Comparticipação de Viotti.
On a pu distinguer déjà, (...) et que nous désirons sincèrement. (Mercure de France, 19-Abril-1783).
Comentário - V.E. fala em "a ária" e "o rondó". Pensará que Ferrero e Martini não escreveram mais árias nem rondós? O nome do primeiro dos compositores está mal escrito; é Ferrero.

V.E. (179) - Lemos no Mercure de France, de 10 de Maio, um feixe de opiniões tecidas pelo crítico, de que damos um extracto.
Les Concerts de cette Qinzaine ont été très brillants. (...) la plus vive reconnaissance.
Comentário - Esta crítica, como aliás todas as outras, fôra já publicada por mim (pág. 95) numa reprodução integral do Mercure de France. O sr. Eleutério, inadvertidamente, mostra que está mais uma vez faltando à verdade quando diz que “dá um extracto”, apenas porque não a recolheu do original. Se o tivese feito (e não, mais uma vez, na minha obra) saberia que não se tratava de um extracto mas sim da crítica toda.

V.E. (179) - Acompanhar o que a crítica escreveu sobre estes três espectáculos equivale a conhecer de forma muito circunstan- ciada uma tão extensa como criteriosa apreciação das duas cantoras, Todi e Mara. Será talvez a mais completa e judiciosa informação sobre a cantora portuguesa. Como nas transcrições anteriores, procuraremos não cair nos erros de transcrição frequentemente praticados pelos autores a quem sucedemos, para sua melhor compreensão.
Il y a eu depuis la Quinzaine (...) en se séparant d'elle.
Comentário - A presunção do sr. Eleutério vai aumentando à medida que o seu livro avança. O sr. Eleutério, depois de copiar todas as críticas que eu publiquei, tem o desplante de "procurar não cair nos erros de transcrição frequentemente praticados" pelos autores a quem sucedeu. Como fui só eu quem publicou a grande maioria das críticas (algumas, poucas, já tinham sido publicadas por Joaquim de Vascomcelos), deduz-se que cometi erros de transcrição que o distinto investigador se propõe agora corrigir. Esta preocupação, numa pessoa cujos “erros de transcrição” se encontram a cada passo (como já vimos e continuaremos a ver vezes sem conta), não deixa de ter o seu lado cómico.
E quanto a esta crítica, o sr. Eleutério, depois ou antes de a copiar, esqueceu-se de copiar também o nome do jornal e a data da publicação, pormenor a que, provavelmente, não ligará uma importância por aí além...

V.E. (183) - Vejamos o que ocorreu no décimo quinto concerto, que se realizou na quinta-feira, dia 19 de Junho, e que pôs termo à temporada. Luiza Todi cantou o rondó de Sarti e cena de Piccinni. Tocaram o violinista Viotti e o violoncelista J. L. Duport. O Mercure de France deixou, ainda, numa última notícia sobre este concerto uma derradeira referência à Todi.
Il y a eu Concert Spirituel le jeudi 29 Mai, jour de l’Ascension, le Dimanche 8 Juin, jour de la Pentecôte et le jeudi 19, jour de la Fête-Dieu(...). M. Viotti s’est fait entendre (...) de celle qu’ils préfèrent. (...). Ce jugement (...) en a été la confirmation.
M.M. (99) - 15º (nº 1110): 19 de Junho de 1783 - Rondó de Sarti e cena de Piccinni. Tocaram o violinista Viotti e o violoncelista J. L. Duport.
Il y a eu Concert Spirituel le jeudi 29 Mai, jour de l’Ascension, le Dimanche 8 juin, jour de la Pentecôte, et le jeudi 19, jour de la Fête-Dieu (...). M. Viotti s’est fait entendre (...) de celle qu’ils préfèrent. (...). Ce jugement (...) en a été la confirmation. (Mercure de France, 28 de Junho de 1783)
Comentário - De notar, mais uma vez, que V.E., para além de publicar a mesma crítica que eu publico, fá-lo truncando-a exactamente nos mesmos locais (o que, aliás, faz por sistema). E também aqui se dispensa de dizer em que número do Mercure de France foi publicada.

V.E. (184) - Duma forma distinta seria alcançado o contrato para Sampetersburgo. Numa conversa com Grimm, Luiza Todi teria exteriorizado o desejo de cantar na corte de Catarina II. Lográ- -lo dependeria da diligência empreendida por Grimm junto da imperatriz. Não perdeu tempo, é o que nos mostra a passagem de uma carta que enviou para Frederico II da Prússia, em que podemos conhecer a boa impressão que lhe causou a cantora. Esta carta foi reproduzida na "Revue et Gazette Musicale de Paris", em 1855.
La Signora Todi me mande (...) cet hiver à l'Opera de Berlin.
M.M. (102) - O contrato, como já dissemos, foi obtido por intermédio de Grimm. Foi a própria Luísa Todi quem, em Paris, em 1783, lhe exprimiu o desejo de ser contratada para Sampetersburgo e lhe pediu que fizesse diligências nesse sentido. Grimm acedeu ao que lhe era solicitado e disso mesmo dá notícia numa carta dirigida a Frederico II da Prússia, em que exprime também a sua admiração pela cantora portuguesa.
La Signora Todi me mande (...) cet hiver à l'Opéra de Berlin. (Revue et Gazette Musicale de Paris, p. 125, 1855; transcr. por Joaquim de Vasconcelos em Arqueol. Art.).
Comentário - Repare-se que, como habitualmente, V.E. cita uma publicação periódica como se a tivesse lido. Nada indica que o tenha feito, pois, de contrário não teria reproduzido ipsis verbis o excerto que eu apresento. Além disso, surge aqui novamente um mau português: na frase que começa "Não perdeu tempo...", o sujeito é "Luísa Todi", o mesmo que já vinha dos dois períodos anteriores, quando o que V.E. pretendia é que fosse "Grimm". Pretendia bem, mas, mais uma vez, redigiu mal...

V.E. (186) - (...) enquanto a Mara era apenas uma cantora de extraordinárias capacidades sem atingir o degrau onde Bastardella, Weber se situaram, de flagrante equivalência à Todi.
Comentário - Não é possível comentar um texto ininteligível, a não ser para dizer... que ele é ininteligível.

V.E. (186) - Beneficiaria, sem margem de dúvidas, dos favores da rainha, tendo cantado diante dela em Versailles, antes da temporada no palácio das Tulherias.
Comentário - Ter a Todi cantado em Versalhes é uma possibilidade que eu aceitei como verosímil (pág. 118), mas nunca encontrei elementos fidedignos em que apoiar essa suposição. No próprio palácio, inclusivamente, me informaram não existir nenhum registo dos concertos ali realizados. V.E. volta a fazer aqui uma afirmação peremptória e atrevida, mas não fundamentada, esquecendo-se de nos dizer onde encontrou elementos - e quais - que justifiquem o que afirma "sem margem de dúvidas".

V.E. (190) - Conhecemos a carta em que a imperatriz lhe conta que recebeu da Todi uma "longuissime lettre" e a maneira como a criticou por se recusar a aparecer diante do público sem para isso ser paga.
Comentário - "Conhecemos" de onde? A carta foi parcialmente reproduzida por mim (M.M., 113), com a indicação de onde foi recolhida (M.M., 102), mas V.E., como é seu hábito, omite a origem.

V.E. (192) - Nessa temporada subiram à cena, e colocaram-se pautas nas estantes dos músicos [é evidente que se terão colocado as pautas] das piores composições que da inspiração de Graun e de Hasse brotara[m] (...) Como se não fosse bastante o que antes se adiantou, será importante frisar que o estilo do canto de Luiza Todi estava rigorosamente na linha italiana, tão distante quanto se possa pensar, do gosto alemão.
Entre outras razões para o fracasso dos espectáculos e o pouco agrado da assistência pela actuação de Todi tem sido apontado o facto de ter esta contracenado com cantores de baixa qualidade, como Eichner, Grasso, Paolino, Tosoni, Coliu e o castrado Conciliani onde não faltou uma inconveniente rouquidão que se apossou do último, que o impediria de cantar metade das récitas programadas.
M.M. (102) - Além disso, as óperas de Graun e Hasse eram das piores destes compositores; o estilo da Todi, da mais pura escola italiana, não se coadunava, de modo algum, com as preferências do público alemão e, para mais, os artistas que contracenaram com ela (Eichner, Grassi, Paolino, Tosoni, Coli e Conciliani) eram de qualidade inferior, com excepção do último, mas mesmo esse, muito rouco, apenas conseguiu cantar cinco das dez récitas previstas.
Comentário – Além da habitual identidade dos textos, há apenas a notar dois erros nos nomes dos cantores: "Grasso" por "Grassi" e "Coliu" por "Colli".

V.E. (193) - "Como um conto com fada-madrinha".
Comentário - O autor inicia aqui o capítulo referente à estada na Rússia, omitindo a passagem da cantora por Varsóvia. O leitor que conheça este momento da vida artística da Todi e que tenha seguido com deslumbramento a narrativa de V.E. ficará, por certo, intrigado com a omissão. Mas a explicação é simples. É que V.E. redigiu o seu livro seguindo "pari passu" o capítulo que dediquei a Luísa Todi no 1º volume de "Cantores de Ópera Portugueses" e eu, nessa data, ainda desconhecia a presença da cantora na capital polaca. Alguns anos depois, um musicólogo polaco (Jerzy Waldorff) encontrou essas notícias e, muito amavelmente, transmitiu--as ao Dr. João de Freitas Branco, que, por sua vez, teve também a amabilidade de me enviar fotocópia da carta do correspondente polaco. Por esse motivo, a informação transmitida não figura no 1º volume da minha referida obra, mas tive a possibilidade de a incluir no prefácio do 3º volume da mesma e agora na minha obra recentemente publicada. Se o sr. Eleutério o tivesse sabido, por certo que não teria deixado de apresentar mais esses dados como fruto da sua investigação. Mas, infelizmente para ele, a ideia não lhe ocorreu.
Entrando, propriamente, na descrição da temporada da Rússia, V.E., mais uma vez, decalca estreitamente a sua narrativa na que fiz em "Cantores de Ópera Portugueses" de acordo com a obra de Robert Aloys Mooser. Os exemplos sucedem-se. Apenas alguns:

V.E. (193) - Grimm esteve na base do contrato, sem a menor dúvida.
M.M. (102) - O contrato, como já dissemos, foi obtido por intermédio de Grimm.

V.E. (193) - Catarina viveu numa verdadeira expectativa a presença de cantora tão famosa na sua corte. As cartas que escreveu a Grimm exprimem o desejo de ter a triunfadora dos Concertos Espirituais de Paris em Sampetersburgo.
M.M. (104) - Em várias cartas para Grimm a imperatriz exprime bem o desejo de ter rapidamente na sua corte a mais famosa cantora da Europa.
Comentário - Exemplos como os referidos, são constantes. Mas é ainda de assinalar que os excertos de cartas da imperatriz, excertos de livros, críticas, etc., enfim, todos os documentos que ilustram o meu trabalho estão reproduzidos por V.E.

V.E. (193) - Nunca se conseguiu definir se a ansiedade mostrada pela ida de Luiza Todi à sua corte se deveria ao prestígio que ela lhe levaria, se ao culto que ela rendia à arte lírica. Mooser deixa cair definitivamente a máscara quanto à pretensa devoção da imperatriz pela ópera através de alguns testemunhos insuspeitos.
Recorda-nos o que Casanova afirma ter-lhe ouvido a propósito da ópera Olimpiade, composta por Manfredini e que se representou em Moscovo no ano de 1762:
La Musique est une belle chose (...) à penser.
M.M. (104) - É provável que a impaciência de ter a Todi na corte fosse mais pelo prestígio artístico que a cantora lhe trazia do que, propriamente, pelo desejo de a ouvir, pois, segundo parece, a imperatriz não era tão devota da arte lírica como se tem feito supor. Várias pessoas que com ela privaram assim o testemunham. Por exemplo, Casanova afirma ter-lhe ouvido, a propósito da ópera Olimpiade, de Manfredini, representada em Moscovo em 1762:
La Musique est une belle chose (...) à penser.

V.E. (194) - (...) por não ter aquele império todavia aderido à reforma gregoriana de 1582.
Comentário - Esta frase parece ter sido recolhida de um texto espanhol. É o que sugere a tradução de "todavia" por... "todavia".

V.E. (194) - O correspondente em Sampetersburgo de um jornal alemão, o Magazin der Muzik, de Junho de 1784, manda a seguinte notícia para a redacção:
A célebre cantora Luiza Todi (...) durante a viagem.
M.M. (105) - A propósito deste acontecimento artístico, publicou um jornal alemão a seguinte notícia, do seu correspondente em Sampetersburgo:
A célebre cantora Luísa Todi (...) durante a viagem. (Magazin der Muzik, Junho de 1784; trad. em Mooser).
Comentário - Repare-se em que, fiel aos seus princípios, V.E. se refere ao jornal como se o tivesse lido, e omitindo o nome de R. A. Mooser. Além disso, reproduz textualmente, sem uma única palavra diferente, a minha tradução feita a partir do texto daquele autor. Que coincidência!
Para não alongar demasiado, direi que todos os textos transcritos por V.E. já tinham sido apresentados por mim na obra citada. No relato da temporada, V.E. segue, quase frase por frase, o meu trabalho.


V.E. (196) - Como curiosidade, foi ali cantada a ópera Pollinia, que contém a particularidade de o libreto ter sido escrito, em italiano, por Luiza Todi e a música ser da criação de Francesco Saverio Todi.
M.M. (109) - Quanto ao autor da partitura da Pollinia, não se sabe exactamente quem tenha sido, mas Mooser pensa que tenha sido Sarti ou o próprio Saverio Todi. Pessoalmente, inclinamo-nos mais para esta última hipótese, uma vez que nunca vimos incluída tal ópera na lista dos trabalhos de Sarti.
Comentário - V.E. é novamente categórico ao fazer uma afirmação sem base. Mooser tinha dúvidas, mas o sr. Eleutério, como de costume, não tem.

V.E. (198, chamada) - Tem-se-lhe atribuído [à Pollinia] erradamente a designação de ópera quando na verdade não vai além de uma cantata, com recitado e coro, este constituído por oito vozes.
Comentário - V.E., mais uma vez, dá-se ares de entendido ao afirmar depreciativamente que a Pollinia “não vai além de uma cantata”. V.E. chama cantata a uma obra teatral com orquestra, cantores solistas, coro, cenários e representação? Mas o mais curioso é que V.E., duas páginas antes, chama ópera à Pollinia! Desde aí, por certo, mudou de opinião.

V.E. (200) - A aumentar o desconfortável despeito sentido por Sarti, e já um pouco também por Marchesi, que entretanto se tornara seu parceiro de manobra contra a Todi, Catarina deu ordem à Administração dos Espectáculos para dar duas vezes a Armida no teatro público para benefício do Sr. Sarti e do Sr. Marchesi, de maneira que essas representações se realizassem após o benefício que, por ordem de Sua Majestade, era concedido à Sra. Todi. Há aqui uma clara prioridade dada à cantora, não só por mérito artístico reconhecido, mas também com suas vantagens, evidentemente de ordem económica. Estava aqui uma clara preferência por parte de Catarina II.
M.M. (112) - As récitas de benefício de Marchesi, de Sarti e da Todi realizaram-se pouco depois. Em 7 de Fevereiro (18 de Fevereiro) Catarina II encarregou a Comissão dos Espectáculos de "dar duas vezes a Armida no teatro público para benefício do Sr. Sarti e do Sr. Marchesi, de maneira que essas representações se realizem após o benefício que, por ordem de Sua Majestade, será concedido à Sra. Todi". Nesta prioridade concedida à Todi, prioridade que não tinha só significado artístico mas também, evidentemente, consequências económicas, já se deixa ver que a imperatriz estava tomando o partido da cantora na "guerra" que os dois italianos lhe moviam.

V.E. (202) - Pressente que é hora de partir. Decide deixar a corte e em 13 de Dezembro, que seriam 24 de Dezembro de 1786, assinou o contrato que da Prússia lhe chegara por intermédio de Jean Pierre Duport, primeiro-violoncelista da Capela Real.
M.M. (114) - (...) Luísa Todi tomou a decisão de abandonar a corte e assim, em 13 de Dezembro (24 de Dezembro) de 1786, assinou um contrato que lhe enviara Frederico II da Prússia por intermédio de Jean Pierre Duport, então primeiro-violoncelista da Capela Real.

V.E. (203) - Vários autores avançam com a opinião, sem que dados haja para que tal se possa provar, que após os primeiros meses passados em Berlim, Luiza regressou a Sampetersburgo a fim de concluir o contrato. Os mais peremptórios foram Fétis e Ravá. Mooser não alude a um tal facto.
M.M. (114) - Fétis e Ravà afirmam que, após os primeiros meses em Berlim, Luiza Todi regressou a Sampetersburgo, onde terá estado mais seis meses para conclusão do contrato. Temos alguma relutância em aceitar esta informação, pois na obra de Mooser, já atrás referida, não há qualquer alusão a esta segunda temporada.

V.E. (204) - Voltamos a encontrar uma referência à Todi na data em que cantou em Berlim a ópera, em estreia absoluta, Medea. A composição fôra de Naumann e o libreto de Filistro de Caramondani. Realizou-se no dia 16 de Outubro, dia do aniversário do rei. Cantaram, além de Luiza Todi, Conciliani no papel de Giasone e a cantora secundária Rubinacci.
Reencontrar-se [sic] vestígios de Luiza em 5 de janeiro de 1789, dia em que cantou uma segunda vez a mesma ópera, que tinha a particularidade e o óbice de durar seis horas.
Joaquim de Vasconcelos traduziu um texto titulado [sic] "Memórias de Dittersdorf", que publicou em A Arte Musical, onde se pode ler:
Apesar da grande (...) acção dramática.
M.M. (115) - De qualquer modo, só voltamos a encontrar notícias da cantora em 16 de Outubro de 1788, data em que cantou em Berlim na estreia absoluta da Medea, de Naumann, também com libreto de Filistro da Caramondani, em récita comemorativa do aniversário do rei. Com ela cantaram Conciliani ("Giasone") e a segunda-dama Rubinacci. Depois, parece que só voltou a cantar em 5 de Janeiro de 1789, na mesma ópera, que era, por sinal, de muito reduzida valia, com a agravante de a sua execução demorar seis horas. Não obstante, repetiu-se seis vezes.
Apesar da grande (...) acção dramática. (Memórias de Dittersdorf; trad. de Joaquim de Vasconcelos n'A Arte Musical).
Comentário - V.E. reproduz a notícia, dizendo que Joaquim de Vasconcelos traduziu o texto e que o publicou n'A Arte Musical, sem esclarecer em que número ou números, porque eu, na pág. 115, também não o digo. Acontece que o sr. Eleutério se esqueceu de ver a minha bibliografia, capítulo obrigatório em qualquer livro deste género, mas que, para ele (como já vimos e voltaremos a ver), é coisa destituída de importância.

V.E. (207) - Capítulo "Paris foi sempre Paris!"
Comentário - Mais uma vez, V.E. descreve os concertos em que Luísa Todi tomou parte, reproduzindo, embora por vezes mal, aquilo que eu já publicara. Alguns exemplos:

V.E. (207) - No segundo apresentara-se a cantora em ária nova de Alessandro e interpretara um novo rondó de Sarti.
M.M. (116) - 2º (nº 1246): 29 de Março de 1789 - Ária nova de Alessandro e um novo rondó de Sarti.
Comentário - O Alessandro, que, pelos vistos, V.E. julga tratar-se de uma ópera (tanto assim que escreve o nome em itálico) é simplesmente o nome, e mal escrito, do compositor Felice Alessandri. Por lapso, também em "Cantores de Ópera Portugueses" saíu a grafia "Alessandro". V.E., como se vê, copiou o erro e interpretou-o mal.

V.E. (207) - E logo vinha o que o Mercure de France, na edição de 4 de Abril, noticiara.
O grande concurso que ontem houve (...) um talento já formado.
M.M. 116) - Mais ce qui avoit sur-tout attiré (...) ainsi perfectionné. (Mercure de France, 4-Abril-1789).
Comentário - Teria sido preferível o sr. Eleutério copiar a crítica por mim publicada (como costuma fazer) em vez de tentar traduzi-la. Assim evitaria sucessivos erros de tradução que, nalguns casos, alteram por completo o sentido da frase e que mereceriam nota negativa a um aluno do liceu. Apenas um exemplo: “Mais ce qui avoit sur-tout attiré l'affluence à ce Concert" por "O grande concurso que ontem houve no Concerto Espiritual"; “Ce n'est pas qu'avant elle on n'ait entendu ici des Cantatrices d'un grand mérite; mais soit qu'elles manquassent de ce qui fait nous émouvoir, soit que nos oreilles ne fussent pas encore assez disposées, elles n'avoient fait qu'une impréssion passagère; elles ont opéré, si l'ont veut, la révolution qui n'a été opérée que par Mme. Todi" por "Não porque antes dela não tivéssemos ouvido aqui cantora[s] de um grande merecimento, mas ou porque faltassem, no que pode comover-nos, ou porque os nossos ouvidos não estivessem ainda bem dispostos, elas não causaram em nós mais que uma impressão momentânea, ou preparavam para a revolução, que só se deve à insigne portuguesa". Não vale a pena dar mais exemplos. Acho apenas que a figura da homenageada mereceria menos leviandade na tradução.

V.E. (208-209) - Com este concerto terminou a temporada no Palácio das Tulherias e com ele Luiza Todi se despediu dos Concertos Espirituais de Paris, totalizando as suas participação [sic] o número de 59 espectáculos em quatro temporadas, quantidade que apenas a Saint-Huberti ultrapassou, alcançando os 60 em oito anos. Em terceiro lugar ficara Buret, uma cantora que interviera em 36 concertos. Mais modesta seria a participação de Mara, um quarto lugar repartido com a Vaillant, 30 concertos em quatro anos.
M.M. (118) - Foi este o último Concerto Espiritual em que tomou parte Luísa Todi. Tem interesse saber que, durante as quatro temporadas em que esteve em Paris, a cantora participou em 59 destes concertos, número só excedido pela Saint-Huberti, que colaborou em 60, mas em oito temporadas. Em terceiro lugar figura a cantora Buret, com 36 concertos, e a Mara aparece em quarto lugar, a par da Vaillant, com 30 concertos em quatro temporadas.
Comentário - O sr. Eleutério, como já vimos, declarou em tribunal (ou alguém por ele) ter consultado o livro de Constant Pierre, livro que, muito amavelmente e dado o enorme prestígio de que o sr. Eleutério goza em todo o mundo, lhe terá sido enviado, a título excepcional, por uma biblioteca francesa para ele cá o fotocopiar(!). Como foi, então, que não reparou que a temporada no Palácio das Tulherias não terminou com o referido concerto (de 21 de Maio de 1789)?

V.E. (210) - Sem que se possa tomar cem por cento por certo, tanto Ribeiro Guimarães como Joaquim de Vasconcelos afirmam que Luiza Todi teria cantado ou nesta temporada ou em anteriores, num certo número de concertos da Loge Olympique, como também em concertos da rainha Maria Antonieta no Palácio de Versalhes. É possível.
M.M. (118) - Segundo Ribeiro Guimarães e Joaquim de Vasconcelos, Luísa Todi terá também cantado, nesse ano ou em anteriores, em alguns concertos da Loge Olympique e em concertos da rainha Maria Antonieta, em Versalhes.
Comentário - Na pág. 144, diz V.E.: "No Paço Real de Versailles também se realizavam concertos, e neles se apresentou igualmente a cantora portuguesa, segundo Ribeiro Guimarães. Se o não foi como ele diz, pelo menos o seu nome foi pronunciado com a ênfase de uma homenagem". Graças à preciosa informação de V.E., ficamos, portanto, a saber que a Todi ou cantou em Versailles ou não cantou, e que neste caso, pelo menos, lhe teceram elogios. Ainda na mesma página, falando dos concertos da Loge Olympique, V.E. afirma sem reticências: "Também aqui se apresentou Luiza Todi". Na pág. 186 é igualmente categórico ao dizer que a Todi teve os favores de Maria Antonieta, "tendo cantado diante dela em Versalhes". Agora, poucas páginas adiante, apenas se limita a admitir a possibilidade da colaboração da cantora nesses concertos, "sem que se possa tomar cem por cento por certo" (sic). Que comentário merece isto?

V.E. (211) - Se seguirmos o texto biográfico de Ernesto Vieira nele diz-se que a Todi se manteve nesta cidade [Berlim] até 20 de Dezembro de 1789, que era a data do termo do seu contrato.
Se aceitarmos a referência de Rodolfo Celletti, a cantora não esperou pelo fim da escritura por achar exíguo o valor estipulado como paga.
O desempate chega-nos na forma de um ofício de D. Alexandre de Sousa Holstein, ministro plenipotenciário de Portugal em Berlim, dirigido a Luís Pinto de Sousa Coutinho um dos gémeos Sousa Coutinho, este e na ocasião, no cargo de Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros.
António Ferrão publicou-o no primeiro quartel do século [qual século?] sem que ainda tivesse sido utilizado em relação à biografia de Luiza Todi. O facto de ter ficado ignorado para os vários biógrafos da cantora, manteve sob certa obscuridade este período da sua vida. Hoje sabemos que por ocasião do Carnaval ainda estava em Berlim.
(...) 6. Por causa destes divertimentos não há dia nenhum durante o Carnaval (...). Berlim, 16 de Janeiro de 1790.
A carta a que o ministro se referiu, que a princesa Frederica escrevera a Luiza Todi, veio incluída.
Madame
N'ayant pu me résoudre de Vous dire (...)
Votre affectionnée Amie
Frédérique
M.M. (118) - Segundo Ernesto Vieira, a Todi esteve nesta cidade [Berlim] até 20 de Dezembro de 1789, data do termo do seu contrato. Segundo Rodolfo Celletti, a cantora não terá permanecido na corte prussiana até à data inicialmente prevista em virtude de ter considerado insuficiente a remuneração auferida.
Podemos esclarecer mais este ponto: Luísa Todi ficou em Berlim não apenas até ao termo do seu contrato mas ainda para além dele, pelo menos até à segunda quinzena de Janeiro de 1790. Podemos afirmá-lo com base num ofício de D. Alexandre de Sousa e Holstein, primeiro-ministro plenipotenciário de Portugal em Berlim, dirigido a Luís Pinto de Sousa Coutinho, secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros.
Este ofício, publicado há sessenta anos por António Ferrão, tem permanecido, até hoje, completamente ignorado pelos poucos musicógrafos que têm escrito alguma coisa sobre a nossa compatriota. Reproduzimos a parte final, que consideramos do maior interesse.
(...) 6. Por causa destes divertimentos não há dia nenhum durante o Carnaval (...). Berlim, 16 de Janeiro de 1790.

Conforme anunciava, D. Alexandre de Sousa e Holstein incluía a cópia de uma carta da princesa Frederica para Luísa Todi, cujo teor era o seguinte:

Madame
N'ayant pu me résoudre de Vous dire (...).
Votre affectionnée Amie
Frédérique
Comentário - Nova manifestação de falta de seriedade. V.E. não se limita a copiar, com todos os pormenores, os factos por mim anteriormente descritos. Reproduz os mesmos documentos, cita os mesmos autores e tem a desfaçatez de dizer, em relação a este ofício de D. Alexandre de Sousa e Holstein, “sem que ainda tivesse sido utilizado em relação à biografia de Luiza Todi. O facto de ter ficado ignorado para os vários biógrafos da cantora (...) Hoje sabemos (...)”. O sr. Eleutério falta mais uma vez à verdade, pois sabe perfeitamente que eu publiquei aquele documento numa obra que ele seguiu página a página. Repare-se ainda que V.E. diz que António Ferrão publicou o ofício daquele diplomata "no primeiro quartel do século", sem esclarecer qual século. A razão é simples. No meu livro, publicado em 1981, digo que esse ofício foi publicado "há sessenta anos". Para um leitor do meu livro isso seria suficiente indicação e, de qualquer modo, António Ferrão está citado na bibliografia. O sr. Eleutério, para pretensamente demonstrar que não me copiou, limitou-se a dizer “no primeiro quartel do século”, sem se aperceber de que, no seu caso, tal indicação não seria esclarecedora, tanto mais que, como já vimos, considera uma bibliografia como coisa desnecessária.
Ainda uma pergunta: o sr. Eleutério não considera importante dizer onde leu o ofício de D. Alexandre de Sousa e Holstein?

V.E. (214) - Foi nesta passagem por Bonna, na festa que se realizou no Paço do Bispo Eleitor, que conheceu um jovem músico, o prometedor Ludwig van Beethoven, que tocou alguns trechos musicais em sua honra. Teria, então, uns 22 anos. A poucos de ser célebre.
M.M. (121) - Durante essa estada em Bona, nos paços do Arcebispo-Eleitor, Luísa Todi terá conhecido um rapaz de vinte anos que viria a ser um dos maiores vultos da música de todos os tempos. Chamava-se Ludwig van Beethoven (Mário de Sampaio Ribeiro, "Luísa de Aguiar Todi").
Comentário - Este conhecimento, admitido como muito provável por Sampaio Ribeiro (e por mim próprio, citando este autor), é, de facto, perfeitamente natural que tenha acontecido, dado que o compositor se achava então em Bonn.
Mas, até onde se conhece, o encontro de Luísa Todi com Beethoven não está indiscutivelmente documentado. O sr. Eleutério afirma que ele se deu. Se tem elementos em que possa basear a sua afirmação, porque não os indica? Se não tem, trata-se de mais uma afirmação atrevida. E, já agora, Beethoven não tinha "uns 22 anos"; ia a caminho dos 20, que completaria em 16 de Dezembro. E, se é certo que não teria ainda atingido o auge da celebridade, a verdade é que também não era um desconhecido, pois já era autor de obras muito significativas, que incluíam trios, quartetos, sonatas, cantatas e outras, entre as quais uma “Cantata à morte do Imperador Joseph II” datada do primeiro semestre de 1790.

V.E. (214) - Neste ponto, temos de reconhecer que numa biografia tão complexa como é a de Luiza Todi, se tornou imperativo transformá-la num trabalho claro e completo, preencher as lacunas existentes na cronologia e criar uma continuidade, tão necessária para o seu melhor entendimento.
Comentário - Depois desta aliciante promessa, todos ficaremos ansiosos para ver o preenchimento das "lacunas existentes na cronologia" e por aprender nos próximos capítulos com a palavra esclarecida e esclarecedora do sr. Eleutério.

V.E. (224) - Depois de se referir ao falecimento de um filho de Luísa Todi, em 9 de Maio de 1790, e ao respectivo funeral, V.E. diz: Luiza, prostrada, foi reconciliar-se com a vida por meio do canto. Assim, a tivemos nos recitais realizados em Amesterdão. No dia 1 de Maio, o Amsterdamsche Courant anunciava que Madame Todi participaria, à noite, num concerto na sala da Manege.
Comentário - Como é que Luísa Todi se reconciliou com a vida, com um concerto no dia 1, quando o filho morreu em 9?
De qualquer modo, é de justiça dizer que estes recitais na Holanda, bem como o falecimento do filho, são referidos, pela primeira vez, por V.E.

V.E. (226) - Chegou à cidade (...) em meados de Setembro. E ficou instalada no Albergo Real.
O contrato fôra assinado em Pádua em 9 de Julho último, com o empresário que era, simultaneamente, o primeiro bailarino da companhia, Onorato Viganò, que representava a Nobile Società Proprietaria del Teatro di San Samuele. Contrato principesco. Luiza recebia "in compenso delle sue virtuose fatiche" 1700 sequins, uma récita de benefício, sem encargos que a onerassem, e residência mobilada.
M.M. (121) - Prosseguindo na viagem, Luísa Todi dirigiu-se para Veneza, onde chegou em meados de Setembro e onde se instalou no Albergo Reale. O contrato tinha sido firmado em Pádua, em 9 de Julho, com o empresário (e primeiro-bailarino sério da companhia) Onorato Viganò, em representação da Nobile Società Proprietaria del Teatro di San Samuele. De acordo com esse contrato, a Todi receberia, "in compenso delle sue virtuose fatiche", a soma de 1700 sequins, uma récita livre de encargos e residência mobilada.


V.E. (226-227) - O primeiro espectáculo deu-se em 27 de Novembro de 1790. Foi uma casa cheia, em que os espectadores atraídos pelo prestígio da cantora, tudo fizeram para ganhar um espaço na sala onde a pudessem ouvir. Como primeira representação, Veneza viu e ouviu mais uma Didone Abbandonata*, com música de vários compositores, como Bertoni, Rampini, que era cravista do teatro, Gazzaniga e Paisiello, a servir um texto assinado por Metastasio.
* Até à representação desta ópera, trinta e duas tinham já sido compostas, todas tratando idêntico tema e ornamentando-se com o mesmo título.
M.M. (121) - A estreia deu-se em 27 de Novembro de 1790, com o Teatro di San Samuele a transbordar. Representou-se a Didone Abbandonata, com libreto de Metastasio e música de vários compositores: Bertoni, Rampini (cravista do teatro), Gazzaniga e Paisiello. É de notar que até àquela data já haviam sido escritas trinta e duas óperas com o título Didone Abbandonata.

V.E. (227) - (...) alcançou o que tantos cantores, como a Banti, o Pacchierotti, o Babini e tantos mais não tinham obtido em épocas anteriores. (...). Adornava-a de louros [a crítica] e impunha-lhe a designação de "indefinibile" (...).
M.M. (121) - O triunfo obtido pela Todi foi indescritível, como ainda não tinham conseguido nem a Banti, nem o Pacchierotti, nem o Babini, famosos artistas que grandes aplausos tinham obtido em épocas anteriores.
Il grido della celebre Signora Todi (...) e tra le scene quella distinguesi d'una prigione. (Gazzetta Urbana Veneta, 1-Dez.-1790).
Comentário - O adjectivo "indefinibile", a par de outros, lê-se em M.M. (121), e, a propósito desta crítica, note-se a reprodução em V.E. (227, nota seguinte).

V.E. (227) - Eis o que se recolhe da Gazetta Urbana Veneta de 1 de Dezembro.
Il grido della celebre Signora Todi (...) e tra le scene quella distinguesi d'una prigione.
Comentário - Como é habitual, trata-se de mais um documento extraído do meu livro. O sr. Eleutério, que na pág. 179 procurava não cair nos erros de transcrição praticados pelos autores a quem sucedeu (leia-se "Mário Moreau"), tem agora a pouca sorte de não conseguir esse seu louvável propósito e, pelo contrário, cometer ele próprio alguns, "poucos", erros: "sabbato prossimo. Scorso" por "sabato prossimo scorso"; "perfezioni" por "perfezione"; "intteligenza" por "intelligenza"; "buono gusto" por "buon gusto"; "che l'hamo" por "che l'hanno"; "tutte de facoltà" por "tutte le facoltà"; "aparse" por "sparse"; "sventur" por "sventure"; "la toma mia" por "la tomba mia"; "se passare" por "sa passare"; "lamento" por "lamenti"; "sospiro" por "sospiroso"; "lodiche" por "lodi che"; "Nonisfugga" por "Non isfugga"; "ch'esigno" por "ch'esigono"; "l'asmmirazione" por "l'ammirazione; "ben intenso" por "ben inteso". Veremos mais adiante várias outras tentativas do sr. Eleutério para eliminar “erros de transcrição”, todas lamentavelmente frustradas.

V.E. (209, 226, 230) - Legendas.
Comentário - Reprodução de quadros sem a indicação do autor nem do possuidor ou do Museu onde se encontram (o que, aliás, faz sistematicamente). Apenas três exemplos: na pág. 209 reproduz um pormenor de um quadro de Eugène Delacroix; nas págs. 226 e 230 reproduz dois quadros que penso serem de Canaletto ou de Francesco Guardi. A não ser que sejam também da autoria do sr. Eleutério. Já agora...

V.E. (231) - Dizia-se "vamos ouvir a Todi", como se quisesse dizer "vamos ouvir o rondó, a cavatina, a ária deste ou daquele acto" num deleite dos sentidos.
M.M. (124) - Passou a dizer-se "vamos ouvir a Todi", quando antes se dizia "vamos ouvir o rondó, a cavatina, a ária deste ou daquele acto".
Comentário - Aqui, V.E. continua a copiar, mas, como faz noutros locais, pretende dar a ideia de que não copiou. Para isso faz uma pequena modificação no seu texto, o que lhe dá logo um sentido errado. V.E. ou não se apercebeu do erro cometido, ou apercebeu-se mas isso também não o incomodou muito.

V.E. (231) - Esta apreciação chegou-nos por via de Aldo Ravà, que a colhera em Della Lena.
“Eccellente attrice e del pari eccellente nella declamazione (...) rara nei cantanti”.
Temos a Todi na interpretação do final da Didone Abbandonata numa descrição do mesmo autor.
“Com o rosto perturbado, pálido e definhado, o olhar incerto, esgazeado (...) e o terror do auditório”.
M.M. (124) - Innocenzo Della Lena (cit. por Ravà), faz de Luísa Todi, a propósito da Didone Abbandonata, a seguinte apreciação, que, além do mais, tem o enorme interesse de descrever aspectos técnicos da arte da grande cantora, até agora praticamente desconhecidos.
Eccellente attrice e del pari eccellente nella declamazione (...) rara nei cantanti. (Innocenzo Della Lena; transcr. em Aldo Ravà).
O mesmo autor descreve assim a Todi nas cenas finais da Didone Abbandonata:
(...) com o rosto perturbado, pálido e definhado, o olhar incerto, esgazeado (...) e o terror do auditório. (Innocenzo Della Lena, "Dissertazione Ragionata sul Teatro Moderno". Ed Storti, Veneza, 1791; trad. de Mário de Sampaio Ribeiro em "Luísa de Aguiar Todi").
Comentário - V.E. dispensou-se de dizer onde colheu todas estas informações. Cita Ravà, mas não diz em que obra o leu; cita Della Lena, mas também não refere a obra; transcreve este último texto como sendo "do mesmo autor", sem dizer se o autor é Della Lena ou Ravà; e apresenta este mesmo texto numa tradução de Sampaio Ribeiro sem dizer quem o traduziu. Como se vê, para o sr. Eleutério nada disto é importante.

V.E. (233) - A Didone Abbandonata prosseguia a sua carreira de êxitos. Deram-se seis representações seguidas entre 27 de Novembro e 6 de Dezembro. O primeiro dia de descanso foi no dia 3.
M.M. (126) - Entretanto, as récitas da Didone Abbandonata continuavam com êxito crescente. As seis primeiras realizaram-se de 27 de Novembro a 6 de Dezembro, só no dia 3 se verificando o primeiro dia de descanso.
Comentário – Não vale a pena assinalar a cópia disfarçada. Mas repare-se em mais outra bonita redacção: “o primeiro dia de descanso foi no dia 3”.

V.E. (235-236) - Capítulo "Retrato de Luiza Todi".
Comentário - V.E. traduz (muito mal...) parte do texto de Della Lena que reproduzo em M.M.(178). Estas traduções de italiano são ainda mais hilariantes do que foram as de francês umas páginas atrás. De um mar de disparates, e para não me alongar demasiado, escolho apenas dois exemplos:
- "La Todi ebbe culla sul Tago, ma può asserirse che l'abbia avuta sull'Arno" por "A Todi teve por berço o sul do Tejo, mas poderia julgar-se que nascera ao sul do Arno";
- "gli occhi sono vividi e ridenti, negri i sopraccigli, estesa la fronte, ben poste le guance, sebben depresse, (...)” por "os olhos são vivos e risonhos, negros e sobrancelhas salientes, fronte límpida e face agradável a não desprezar (...)
Se é este o retrato que o sr. Eleutério conseguiu arranjar para Luísa Todi, teremos de concordar que ela não ficou nada favorecida. Depois de a pôr a nascer ao sul do Tejo, aqueles “primores” das sobrancelhas salientes, da fronte límpida e da face a não desprezar, não lembrariam ao diabo... Francamente! Terá sido o sr. Eleutério quem fez esta e outras “brilhantes” traduções ou pediu-as a algum principiante inconsciente?

V.E. (237) - De 15 a 25 de Dezembro os teatros fecharam, uma prática comum na temporada teatral, mas no dia 26, dia da reabertura, Luiza Todi não cantou por motivo de doença. Circulou a notícia que se tratava de mal grave, na região ocular [sic!!!] e impedimento para que cantasse.
M.M. (126) - De 15 a 25 de Dezembro, como habitualmente, os teatros estiveram fechados, mas em 26, data prevista para a reabertura, Luísa Todi não pôde reaparecer por se encontrar com uma grave enfermidade ocular.
Comentário - Decididamente, V.E. é avesso a escrever correctamente o português... Os erros de redacção sucedem-se. E o requinte da "região ocular" é uma boa sugestão para um próximo tratado de anatomia.

V.E. (237) - A doença começou a constituir motivo novo de inspiração poética. No dia 8 de Janeiro de 1791, a Gazzetta Urbana Veneta publicou a composição rimada, com alguma extensão, cujo título e as duas primeiras quintilhas se transcrevem.
M.M. (127) - A doença da nossa compatriota constituíu novo motivo de inspiração poética. A Gazzetta Urbana Veneta, no número de 8 de Janeiro de 1791, publicou uma longa composição cujo título e primeiras duas quintilhas eram os seguintes:
Comentário - O sr. Eleutério poderia muito bem não se ter limitado a reproduzir as duas quintilhas se tivesse realmente folheado a G. U. V.. Seria a maneira de provar que as tinha recolhido do periódico veneziano e não de "Cantores de Ópera Portugueses". Ter reproduzido exactamente as duas primeiras quintilhas, tal como eu fiz, legitima a convicção de que, também aqui, o seu livro foi copiado do meu. Aliás, não teria pés nem cabeça ir a Veneza recolher os mesmíssimos elementos que eu recolhera anos antes, ou pedir a alguém que o fizesse. E quem diz Veneza diz Paris, Londres, etc.
Mais uma vez, surgem parágrafos e parágrafos retirados da minha obra. Seria impraticável apresentar todos os exemplos, pois isso equivaleria a reproduzir todo o capítulo. Apenas alguns:

V.E. (237) - Em 14 de Janeiro o casal mudou de residência mas o mal tinha complexidades próprias [sic]. Consultou vários médicos e depositou esperanças nos resultados de uma junta constituída por sumidades de Veneza que davam pelos nomes de Pellegrini, Pajola, Tabacchi e Borghi. Poucas melhoras advieram. Apenas um alívio.
M.M. (127) - Em 14 de Janeiro de 1791 a cantora mudou de casa, com a esperança de obter melhoras, mas, como seria de esperar, não estava nessa medida a cura do mal. Por fim, após uma conferência de quatro celebridades médicas - os doutores Pellegrini, Pajola, Tabacchi e Borghi - a Todi começou a ter uma melhoria sensível, de tal modo que em 29 de Janeiro já fez um ensaio em casa (...).
Comentário – Repare-se noutra habilidade de V.E. Eu escrevi “mas, como seria de esperar, não estava nessa medida a cura do mal”. Para mostrar que tem um estilo literário próprio e que não copiou, V.E. escreveu este aborto literário: “mas o mal tinha complexidades próprias”.

V.E. (238) - Quando já era previsível o reaparecimento da cantora, redobraram as composições poéticas publicadas nos jornais de Veneza. A Gazzetta Urbana Veneta trouxe nas suas páginas, nas edições de 5, 12, 19 e 23 de Fevereiro, alguns sonetos e nas de 19 de Fevereiro e 9 de Março diversos madrigais.
M.M. (132) - Ao avizinhar-se o reaparecimento da cantora voltaram a surgir composições poéticas na Gazzetta Urbana Veneta (sonetos nos números de 5, 12, 19 e 23 de Fevereiro, madrigais nos de 19 de Fevereiro e 9 de Março).
Comentário - O sr. Eleutério fala nos "jornais de Veneza" para deixar a falsa idéia de que consultou vários, quando a verdade é que, segundo todas as evidências, não consultou nenhum.
E, já agora, que outros jornais se publicaram então em Veneza, além da Gazzetta Urbana Veneta?

V.E. (239) - A Gazzetta Urbana Veneta, de 12 de Fevereiro, juntou a seguinte notícia à ovação.
Turri quelli che fuori (...) la felice riuscita.
M.M. (128) - A ópera constituíu um novo triunfo para a Todi, como facilmente se depreende da seguinte notícia:
Tutti quelli che fuori (...) la felice riuscita. (Gazzetta Urbana Veneta, 12-Fev.-1791).
Comentário – Não vale a pena continuar a sublinhar o aproveitamento ilícito que o sr. Eleutério faz do meu trabalho. Mas não pode, agora, passar sem reparo a enorme quantidade de erros que continua a cometer nos textos italianos, os tais "erros de transcrição" a que na pág. 179 dizia querer fugir (pelos vistos, mais uma vez, sem êxito). Por exemplo:
"Turri" por "Tutti"; "deggono" por "leggono"; "accompahnate" por "accompagnate"; "fini" por "fino"; "orechio" por "orecchio"; "sai nelle a solo" por "sia nelle parti a solo"; "possomo" por "possono", "constante" por "costante"; "transporti" por "trasporti"; "entusiamo" por "entusiasmo"; "possede" por "possiede"; "ciscospette" por "circospette"; "onf'è" por "ond'è"; "seguente" por "seguenti"; "Al 3zo. atto" por "al 3zo. atto"; "lalui" por "da lui"; "há" por "ha"; "tinta" por "quinta"; "Amenità" por "amenità"; "si" por "sì"; "disehno" por "disegno"; "tra il quali" por "tra i quali"; "ammirono" por "ammirano"; "sucede" por "succede"; "Quin" por "Qui"; "cuore" por "cuori"; "Allentasi" por "allentasi"; "notte" por "note"; "siavità" por "soavità"; "Clofide" por "Cleofide"; "preciosa" por "preziosa"; "delicioso" por "delizioso"; "queata" por "questa"; "de la" por "della"; "um" por "un"; "igenuo" por "ingenuo"; "se foie" por "se fosse"; "vudire" por "udire"; "d'urdirne" por "d'udirne".
Ainda dois reparos importantes: a) em M.M. 130-131 surgiram os erros (não sei se meus, se tipográficos) "possede" por "possiede" (pág. 239) e "ammirono" por "ammirano". O sr. Eleutério repete-os, na pág. 240, 1ª linha.
b) V.E. apresenta a crítica truncada exactamente no mesmo local em que eu a trunquei (3ª linha a contar do fim).

V.E. (240) - Na noite do espectáculo de 13 de Fevereiro foi oferecido à assistência um livro que tinha por título "Alla unica Todi, ommagio del sentimento". Era constituído por algumas das poesias que lhe tinham sido dedicadas e publicadas nos jornais. Ao todo eram seis sonetos e duas páginas de versos soltos. Surgiria depois à venda no livreiro Curti.
No espectáculo do dia 20 a assistência foi literalmente envolvida por uma nuvem de prospectos com um soneto dedicado à artista, que fôra lançado das galerias e dos camarotes.
No dia 6 de Março foi publicado um livro com o romântico nome de "Raccoltina d'un'anima sensibile" e que reunia onze sonetos, uma canção e uma ode anacreôntica.
M.M. (133) - Algumas das poesias (seis sonetos e duas páginas de versos soltos) foram recolhidas num livrinho com o frontispício "Alla unica Todi, omaggio del sentimento", que foi oferecido aos espectadores na noite de 13 de Fevereiro e que foi depois posto à venda no livreiro Curti. No espectáculo do dia 20 foram lançados das galerias e dos camarotes centenas de prospectos com um soneto à artista. Em 6 de Março publicou-se uma "Raccoltina d'un'anima sensibile", composta por onze sonetos, uma canção e uma ode anacreôntica.
Comentário - Além da evidente cópia, mais dois erros numa só palavra: "ommagio" por "omaggio".

V.E. (242) - Antes do espectáculo se iniciar, cada espectador recebeu, como oferta, a cópia de uma gravura da cantora no papel da rainha Dido. Fôra desenhado por Bini e gravado por Del Pian, lendo-se ao lado três composições em que a primeira já fora reproduzida na Gazzetta de 22 de Dezembro, e a segunda alusiva à doença.
M.M. (134) - Nessa noite, com o teatro a transbordar, cada espectador dos camarotes e da plateia recebeu como oferta a cópia do retrato da cantora no papel de "Rainha Dido", desenhado por Bini e gravado por Del Pian, ao lado do qual se liam estas três composições, a primeira já publicada na Gazzetta Urbana Veneta de 22 de Dezembro, a segunda alusiva à doença.
Comentário - A este meu texto seguem-se as três composições poéticas referidas, tal como faz V.E. a seguir ao seu.
Desta vez há só uma grafia errada: LLEOFIDE por CLEOFIDE. Mas há também uma nova e "elegantíssima" redacção em língua portuguesa (“três composições em que a primeira”!)

V.E. (243) - A Gazzetta de 26 de Março publicava, de um autor anónimo, possivelmente Antonio Piazza, segundo Ravà, o seguinte texto:
Imaginai uma capital com o medo de ver desaparecer (...) de ficar cega por uma grave doença de olhos.
M.M. (127) - Escreveu um autor anónimo (possivelmente Antonio Piazza, segundo Ravà): "Imaginai uma capital com o medo de ver desaparecer (...) de ficar cega por uma grave doença de olhos". (Parallelo tra la Signora Todi e il Signor Marchesi ossia Lettera di un Filarmonico Imparziale; transcr. na Gazzetta Urbana Veneta, 26-Março-1791).
Comentário - Há aqui um pormenor muito importante. A seguir à transcrição deste texto, V.E. faz este esclarecimento delicioso: O autor acrescentou "Parallelo tra la Signora Todi e il Signor Marchesi ossia Lettera di un Filarmonico Imparziale", nome de um opúsculo que corria impresso. O sr. Eleutério copiou, evidentemente, o texto que apresentei mas não conseguiu perceber a minha indicação da proveniência, talvez por não estar habituado a fazê-lo. O autor não acrescentou ao texto o "Parallelo...". Isto era o título do opúsculo de que o texto fazia parte. Quem acrescentou "Parallelo..." fui eu, para indicar a proveniência da informação! Vê-se aqui, mais uma vez, o “estilo literário” de V.E. Se ele não tivesse “parasitado” o meu trabalho e tivesse lido o original citado (e se tivesse percebido o que estava a ler...) por certo que não teria cometido tal erro.

V.E. (243) - Recorremos a uma citação do lúcido Brunelli: "Desusadamente atentas, as venezianas não queriam perder nem um só dos seus gorgeios ou dos seus suspiros". Temos de fazer um reparo ao que Brunelli deixou escrito. A voz de Luísa Todi tinha a tessitura de mezzo-soprano logo, não se esperaria que soltasse gorgeios.
M.M. (135) - As venezianas "não queriam faltar a uma só das representações da incomparável cantora nem, desusadamente atentas, perder um só dos seus gorgeios ou dos seus suspiros" (Brunelli).
Comentário - V.E. diz que recorreu ao "lúcido Brunelli", mas, ao mesmo tempo, atribui a este autor o que pensa tratar-se de um erro de palmatória e que seria o de ele considerar que na voz da Todi haveria gorgeios. Que espécie de competência ou de autoridade tem o senhor Eleutério para fazer reparos a um musicólogo da estatura de um Brunelli? E por que lhe chama lúcido? Só para se dar ares de entendido e sugerir que conhece bem a obra deste autor? Que obras conhece de Brunelli? Porque se dispensou de citar a origem do texto? Quem foi que lhe disse que a voz da Todi era de meio-soprano? (para sua informação, não era). E, se chama gorgeios a passagens de agilidade, está convencido de que um meio-soprano não pode ter "gorgeios"?

V.E. (243) - Finda a temporada no Teatro di San Samuele Luiza Todi recebeu dois convites para cantar em espectáculos particulares.
O primeiro, que se realizou no dia 27 de Março, decorreu no palácio do conde de Breunner, camarista, conselheiro e embaixador de corte estrangeira em Veneza. Constituíu uma homenagem ao imperador Leopoldo II, à imperatriz Maria Luísa, à família real de Nápoles, aos arquiduques de Milão e aos grão-duques da Toscana, todos de visita à cidade de Veneza desde alguns dias antes.
A grande homenageada da noite foi Luiza Todi, a quem todos os soberanos presentes felicitaram pela sua temporada no Teatro di San Samuele. A imperatriz ofereceu-lhe, a título pessoal, um medalhão de brilhantes para nele colocar o seu retrato, que depois lhe enviaria, uma caixa de ouro, esmaltada, e uma peça da Índia, de musselina bordada. O maestro Bianchi, que dirigiu os músicos, recebeu do rei de Nápoles uma caixa de ouro. Os restantes artistas também foram presenteados.
Cantou a "Deifile" com o soprano Catenacci e o tenor Mombelli.
M.M. (135) - Além da temporada no Teatro di San Samule, Luísa Todi tomou ainda parte em duas representações. Na primeira, em 27 de Março, cantou a acção cénica "Deifile", de Francesco Bianchi, com o soprano Catenacci e o tenor Mombelli. O espectáculo realizou-se no palácio do conde de Breunner, camarista, conselheiro e embaixador em Veneza de um soberano estrangeiro, e constituíu uma homenagem ao imperador Leopolddo II, à imperatriz Maria Luísa, à família real de Nápoles, aos arquiduques de Milão e aos grão-duques da Toscana, todos chegados a Veneza poucos dias antes. As honras da noite couberam, naturalmente, à cantora portuguesa, que foi muito felicitada por todos os soberanos e à qual a embaixatriz ofereceu depois, pessoalmente, um belíssimo medalhão de brilhantes para colocar o seu próprio retrato (que prometeu enviar passados dias), uma caixa de ouro esmaltada e uma peça de finíssima musselina bordada, das Índias. O maestro Bianchi recebeu do rei de Nápoles uma caixa de ouro e os outros artistas também foram generosamente recompensados.
Comentário - Mais um flagrante aproveitamento do meu trabalho. Ainda uma pequena nota: esta notícia diz-nos que a Todi "foi muito felicitada" (subentende-se que pela sua actuação no concerto) e não que foi felicitada "pela sua temporada no Teatro di San Samuele". Trata-se de mais uma das habituais invenções de V.E., com a qual pretende ser original e criar a ideia de que não copiou.

V.E. (244) - O segundo espectáculo realizou-se no dia seguinte, homenageou os mesmos soberanos e foi representado na Accademia dei Filarmonici. Foi executada a cantata I Voti del Secolo XVIII, com texto de Matteo Butturini e música de Ferdinando Bertoni. Cantaram Domingos Mombelli e Giovanni Rubinelli, além de coros. A Academia remunerou Luiza Todi com 200 sequins, Rubinelli também com 200 sequins, Mombelli com 120, o mestro Bertoni com 100. Franco Fontanesi recebeu das decorações e organização da festa, 200 sequins.
M.M. (135) - O segundo espectáculo realizou-se no dia seguinte, 28 de Março, também em honra dos régios visitantes, na Accademia dei Filarmonici. Executou-se a cantata I Voti del Secolo XVIII, com poesia de Matteo Butturini e música de Ferdinando Bertoni, maestro da capela ducal de S. Marcos. Com a Todi cantaram Domenico Mombelli e Giovanni Rubinelli, além de coros. A Academia remunerou assim "le virtuose fatiche" dos artistas: Luísa Todi, 200 sequins; Rubinelli também 200: Mombelli, 120; o maestro Bertoni, 100; Franco Fontanesi, pelas decorações e pela organização da festa, 200.
Comentário - Uma pequena nota: um espectáculo não é representado, realiza-se. O que é representada é a obra teatral.

V.E. (245, legenda) - Al mio Ben che minnamora io sarò constane ognor.
Comentário - "Só" quatro erros em tão poucas palavras... Não se pode exigir melhor...
A gravura foi publicada pela primeira vez por Mário de Sampaio Ribeiro e foi reproduzida por mim, em "Cantores de Ópera Portugueses", com essa indicação. V.E. dispensou-se de o referir.


V.E. (245, legenda) - (...) tendo atrás de si a figura alegórica da inveja.
M.M. (137, legenda) - Uma figura alegórica aponta para Luísa Todi com a mão direita e poisa a esquerda no ombro de Marchesi, como que a chamar-lhe a atenção para a execução do trecho musical. Segundo Sampaio Ribeiro, simbolizaria a Inveja, opinião que temos grande relutância em aceitar.
Comentário - V.E., nesta legenda, concorda com a interpretação de Sampaio Ribeiro, mas logo na pág. 246 subscreve (quase com as mesmas palavras...) a minha quando diz: "A figura alegórica que aponta para Luiza com a mão direita, pousa a esquerda no ombro de Marchese para que tome atenção à ária que ela canta". Vá lá o leitor adivinhar o que pensa, de facto, o sr. Eleutério...
E, como não podia deixar de ser, um errozinho: "Marchese" por "Marchesi".

V.E. (246) - Repete-se aqui o que Ravà escreveu em outro lugar sobre a temporada do Marchesi em Veneza, nesse ano em que ali actuou Luiza Todi. "Ele não podia realmente competir com a Todi (...) o desenho essencial das árias."
M.M. (136) - "Ele não podia realmente competir com a Todi (...) o desenho essencial das árias." (Ravà).
Comentário - V.E. volta a citar Ravà sem dizer onde leu este autor e transcreve, palavra por palavra, a tradução por mim apresentada, o que legitima a convicção de que se trata de um texto copiado da minha obra e não uma tradução sua do original. Falta-lhe apenas a forma verbal "era", o que admito poder atribuir-se a uma distracção na cópia, pois, de contrário, tratar-se-ia de uma construção demasiado "coxa".

V.E. (246) - Tudo isto vem conforme com o antes citado "Parallelo....", folheto que então se vendeu em Veneza, no livreiro Curti, ao preço de uma lira. Dizia-se de Marchesi, na Gazzetta Urbana Veneta de 26 de Março: "Egli tocca tutti i tasti (...) più che umano". Faltava-lhe conhecer o caminho que chega ao coração.
M.M. (136) - Esta afirmação de Ravà, de resto, está bem alicerçada no já citado "Parallelo...", que se vendia então em Veneza, no livreiro Curti, ao preço de 1 lira. De Marchesi, diz o autor a certa altura:
Egli tocca tutti i tasti (...) più che umano." (Transcr. na Gazzetta Urbana Veneta, 26-Março-1791).
Mas Marchesi não conhecia, realmente, o caminho para atingir o coração.

V.E. (246) - Logicamente que a interrupção, por razões da doença de Luiza, nos espectáculos beneficiou Marchesi e o Teatro di San Benedetto, que teve, deste modo, uma maior afluência de público. É o que nos diz o seguinte soneto distribuído na altura.
Nella malattia della Todi (...)
M.M. (138) - Logicamente que o período de doença da Todi só poderá ter beneficiado Marchesi e o seu teatro, que terão então visto aumentar a afluência de público. É o que pretende exprimir o seguinte soneto, em dialecto veneziano, da autoria de Benedetto Govanelli, impresso então em Veneza. Tanto quanto sabemos, apenas foi publicado por Ravà em 1910.
Nella Malattia della Todi (...)
Comentário - Para além da evidente semelhança do texto, continuam os “erros de transcrição”: "Samuelle" por "Samuele", "empresario" por "impresario", "Vernier" por "Venier", "cosè" por "così", "Carusico" por "Cerusico", "un" por "nu", "Flussion" por "flussion", "un conscienza" por "in conscienza", "tiiti" por "tutti", "proposición" por "proposizion". Como se vê, o sr. Eleutério copia mais facilmente o português do que o italiano!
Repare-se que, como é seu hábito, V.E. se dispensa de dizer a origem deste soneto.

V.E. (247) - Marchesi não saíu vencedor do confronto entre as duas cortes de simpatizantes. Dois dias após o termo do contrato saíu apressadamente de Veneza, num barco a remos, ao romper da alva, num dia borrascoso.
M.M. (138) - (...) o próprio Marchesi deve ter reconhecido que não saíu vencedor do confronto. Assim se compreende que, logo dois dias após o termo do contrato, tenha saído precipitadamente de Veneza num barco a remos, ao romper da alva, com tempo borrascoso (...).

V.E. (247) - Viganò retardava o pagamento, segundo o contrato, apesar das declarações médicas comprovativas apresentadas pela cantora.
1791. 20 de Março, Venezia
Attesto io sottoscritto (...).
Francesco Pajola
(P.P. di Chirurgia)
M.M. (138) - (...) foi um conflito surgido com o empresário Viganò, relacionado com a temporária impossibilidade da nossa cantora, devidamente comprovada pelo seguinte atestado:
1791. 20 Marzo. Venezia
Attesto io sottoscritto (...).
Francesco Pajola
(P.P. di Chirurgia)
Comentário - Pela cópia apresentada por V.E., ficamos a saber que em Veneza era então costume escrever as datas em português...
Nesta página e na 248, V.E. descreve o conflito entre a Todi e Viganò seguindo, passo a passo, a minha descrição.
Quanto aos erros habituais no italiano, desta vez não foram muitos: "un istato" por "in istato" e "molto migliori" por "molto migliore".

V.E. (250) - As festas atraíam grande multidão e a empresa soube assegurar a presença da cantora portuguesa "que acabava de fazer endoidecer de entusiasmo os venezianos".
M.M. (141) - O teatro teve "uma temporada realmente memorável, pois a empresa soube assegurar a presença da famosa portuguesa, que acabava de fazer endoidecer de entusiasmo os venezianos" (Brunelli).
Comentário - Mais uma cópia, quase palavra por palavra. V.E. continua a transgredir normas elementares no que respeita a transcrições. Aqui, mais uma vez, transcreve uma frase de um autor, em itálico, sem lhe indicar a proveniência.

V.E. (250) - O correspondente da Gazzetta Urbana Veneta, em Brescia, deu a informação para o jornal que a cantora tinha sido vista a passear naquela cidade "in istato di perfetta salute" devendo seguir para Pádua naquela semana".
M.M. (141) - (...) com data de 22 desse mês, o correspondente da Gazzetta Urbana Veneta, em Brescia, comunicava para o seu jornal que a cantora havia sido vista a passear naquela cidade, "in istato de perfetta salute" e que deveria partir para Pádua nessa mesma semana.

V.E. (250) - Foi uma temporada memorável que, segundo o descritivo de Brunelli, se a temporada de Veneza ficara conhecida pelo ano da Todi, o mesmo se poderia dizer em relação a Pádua.
A primeira ópera que Todi cantou foi Ipermestra. A Gazzetta Urbana Veneta de 15 de Julho de 1791 referia.
Padova 14 Giugno 1791
Ieri sera andò in iscena l'Ipermestra (...) al suo merito.
M.M. (141-142) - De tal modo que se essa temporada ficou conhecida em Veneza pelo ano da Todi, o mesmo se poderá dizer em relação a Pádua (Bruno Brunelli).
Padova, 14 Giugno 1791
Ieri sera andò in iscena l'Ipermestra (...) al suo merito. (Gazzetta Urbana Veneta, 15-Junho-1791).
Comentário - Como é habitual, V.E. cita Brunelli sem referência à obra. E, como também é habitual, mais uns quantos erros: "primeggio riscosse strepitosi applausi ed si fece" por "primeggiò, riscosse strepitosi applausi, e si fece", "conocerè" por "conoscere", "comme" por "come", "Maggiore" por "maggiore". Os tais erros de transcrição...
Ainda um reparo: V.E., na sua prosa, atribui ao periódico a data de 15 de Julho, mas na notícia põe a data de 14 de Junho.
A data da Gazzetta é, de facto, 15 de Junho e não de Julho.

V.E. (250) - O mesmo correspondente classificava Luiza Todi como "il solito portento di azione" na sua edição de 18 de Junho.
A segunda ópera levada à cena foi a Didone Abbandonata, de Giuseppe Sarti e também com libreto de Metastasio, que a cantora interpretou de modo genial, num espectáculo que se compunha também, de acto bailável com "Gli Sciti" e "Pubblico Divertimento", que gorou as expectativas da assistência.
M.M. (142) - Dias depois, o mesmo correspondente de Pádua classificava a Todi como "il solito portento di azione" (Gazzetta Urbana Veneta, 18-Junho-1791).
A segunda ópera da nossa cantora foi a Didone Abbandonata, de Giuseppe Sarti e também com libreto de Metastasio, que subiu à cena em espectáculo completado com dois bailados que, aliás, agradaram pouco: "Gli Sciti" e "Pubblico Divertimento".
Comentário – Acredito que a Todi tenha interpretado a ópera “de modo genial”, mas por conhecer a sua grandeza artística e não por que o diz o sr. Eleutério. Não é sério fazer afirmações destas sem estarem devidamente documentadas. E se a Todi nesse dia, por razões de saúde, por exemplo, tiver tido uma actuação menos feliz? E daquela deliciosa e original terminologia do “acto bailável” gostei imenso...

V.E. (251) - Com a chegada de Leopoldo II da Áustria que vinha acompanhado dos filhos, arquiduques Carlos e Leopoldo, procedentes de Milão, nessa noite, 30 de Junho, foi dada uma récita extraordinária da ópera Ipermestra. No dia seguinte dedicou-se aos soberanos de visita uma segunda récita extraordinária da Didone Abbandonata em que, citando Gennari, transcrito por Brunelli, a Todi "se excedeu a si própria e à expectativa geral".
M.M. (142) - Em 30 de Junho chegou de Milão o imperador Leopoldo II da Áustria com os filhos, arquiduques Carlos e Leopoldo, dando-se nessa noite uma récita extraordinária da Ipermestra em honra dos visitantes. Estes, evidentemente, assistiram ao espectáculo, bem como ao do dia seguinte, com a Didone Abbandonata, em que a Todi "se excedeu a si própria e à expectativa geral" (Gennari, transcr. por Brunelli).
Comentário – O sr. Eleutério, como se vê, não pára de construir frases decalcadas nas minhas, fazendo-lhes apenas ligeiras modificações ou substituindo algumas palavras por sinónimos para fazer crer que não houve cópia. Claro está que, com essas ingénuas modificações e com a deficiente redacção de português que o caracteriza, não se apercebe de que, de vez em quando, acaba por escrever uma coisa diferente (e errada…) do que eu escrevi. Aqui, por exemplo, escreveu "uma segunda récita extraordinária da Didone Abbandonata" quando o que deveria escrever, para ser fiel ao seu pensamento (se é que era esse o seu pensamento) seria "uma segunda récita extraordinária, com a Didone Abbandonata". Pode parecer-lhe a mesma coisa mas é muito diferente. Mas sucede ainda que o sr. Eleutério deveria escrever mas escreveria mal. É que nenhum documento nos diz que a segunda récita foi também extraordinária. É possível que tenha sido, mas classificá-la como tal, sem o apoio de uma fonte fidedigna, é, mais uma vez, dar mostras de pouco (ou nenhum...) rigor descritivo. E continua a citar Brunelli sem dizer o que leu deste autor e onde.

V.E. (251) - Deverá mencionar-se que, tendo o empresário decidido iluminar festivamente o Teatro Nuovo em homenagem a tão ilustres espectadores, o imperador opôs-se à idéia argumentando que [se] tornaria mais difícil de suportar o asfixiante calor que fazia naqueles dias. Como era corrente, quando o real visitante partiu, gratificou o empresário do Teatro Nuovo.
M.M. (142) - Pormenor curioso: o empresário do teatro tinha decidido iluminá-lo, mas o imperador pediu-lhe que desistisse da idéia para não aumentar o calor sufocante daqueles dias. À partida, o real visitante gratificou o empresário do Teatro Nuovo com a soma de 200 sequins.

V.E. (251) - Havia ainda um espectáculo marcado para dia 15 de Julho, o último que o contrato previa, mas que devido a ter adoecido a cantora Todi, este não chegou a realizar-se, facto que antecipou o final da temporada.
M.M. (142) - A última récita da Todi estava marcada para 15 de Julho, mas não chegou realizar-se porque, tendo entretanto adoecido a nossa cantora, o teatro antecipou o encerramento da temporada.

V.E. (251) - (...) jornalista pouco informado em matéria de canto, conforme especificou, enviou para ser incluído no jornal de 16 de Julho.
(...) ma da quanto io sento (...) ultra Donna mai.
M.M. (142) - (...) as palavras do correspondente da Gazzetta Urbana Veneta, que, após afirmar que não se considerava suficientemente entendido em matéria de canto, acrescentava:
(...) ma da quanto io sento (...) altra Donna mai. (Gazzetta Urbana Veneta, 16-Julho-1791).
Comentário - Note-se a transcrição da mesma crítica, com a mesma supressão de texto.
Quanto a erros: "há" por "ha", "cosi" por "così" e "ultra" por "altra". Foram só três erros, mas também foram só três linhas...

V.E. (252) - (...) contratada para fazer parte do elenco do espectáculo inaugural do Teatro Riccardi, já se encontrava na cidade e ensaiava para a récita a Didone, de Piccinni. Estava-se no verão.
Vários autores se referiram à passagem da cantora portuguesa por este belo teatro, como Ravà, Celletti, Gavazzeni, Ernesto Vieira, Ermano Camuzio e Mário Moreau.
M.M. (143) - Ainda no Verão de 1791, Luísa Todi estava em Bérgamo, onde, em 24 de Agosto, cantou no espectáculo inaugural do Teatro Riccardi a Didone, de Piccinni. Queremos sublinhar que este importante momento da vida da grande artista tem sido até hoje quase ignorado pelos seus biógrafos. O único que se lhe refere, aliás sem precisar a data, é Ernesto Vieira no suplemento do seu Dicionário. Encontramos a confirmação em Celletti, Gavazzeni e Ravà.

V.E. (253) - Quanto ao resto da temporada em Bérgamo, poderemos considerar que esteja sufientemente sintetizada na seguinte expressão publicada pela Gazzetta Urbana Veneta do dia 21 de Setembro: "Nunca se vira nada igual".
M.M. (143) - Quanto aos triunfos da Todi na temporada de Bérgamo, será talvez suficiente dizer que "nunca se vira nada igual" (Gazzetta Urbana Veneta, 21-Set.-1791, do correspondente em Bérgamo).

V.E. (253) - A última representação realizou-se em 25 de Setembro.
Em Outubro a cantora ainda estava em Bérgamo. Supomos que a permanência naquela cidade para além do termo da temporada se tivesse ficado a dever a uma nova recaída ou a agravamento do mal de que já se vinha tratando.
M.M. (143) - A última representação realizou-se em 25 de Setembro, mas em Outubro desse ano ainda a Todi se encontrava em Bérgamo. (...) Conjuntamente enviou atestados médicos que comprovavam a impossibilidade com base na doença ocular.

V.E. (253) - Contudo, numa carta de Francesco Saverio Todi dirigida, posteriormente, àquele teatro, escrevia este que as verdadeiras razões que impediam que a mulher cantasse no Teatro de São Carlos eram, por um lado, a exiguidade do pagamento proposto, de 1400 sequins, por outro, o ter-lhes constado que estava para ser contratado Onorato Viganò, com quem tinha querelado em Veneza.
M.M (143) - Não deixa de ser estranho que Francesco Todi, em data posterior, tenha por sua vez escrito para o teatro dizendo que as verdadeiras razões que levavam a nossa compatriota a rescindir o contrato eram considerar demasiado exíguo o pagamento proposto de 1400 sequins e ainda constar-lhe que estava para ser contratado para o San Carlo Onorato Viganò, seu inimigo figadal desde o pleito judiciário de Veneza. As cartas da Todi e do marido, bem como os atestados, foram consultados por Benedetto Croce no Archivio di Stato, de Nápoles, onde estiveram arquivados sob a rubrica "Teatri, fascio 31".
Comentário - Fiel aos seus hábitos (péssimos hábitos...), V.E. cita a carta de Francesco Todi, mas dispensando-se de dizer como tomou conhecimento dela. Achou mais prudente...

V.E. (253) - Capítulo "Il mérito incoronato della gloria".
Pareceu-nos um título a propósito. Que se enquadra na celebrada protagonista a quem um tal dilúvio de elogios cobriu. O facto de não se lhe conhecer autor torna-o apetecido. E apropriável.
Comentário - V.E. não foge à sua regra e dá dois erros num título de cinco palavras.
Depois, o início do capítulo é verdadeiramente hilariante e a confissão freudiana de que o facto de não se conhecer o autor do título torna este "apetecido e apropriável" está perfeitamente de acordo com a prática habitual do sr. Eleutério. Como se ele fizesse alguma cerimónia em se apropriar de textos ou de idéias, mesmo conhecendo o autor...

V.E. (253) - Voltara para cantar duas óperas em estreia absoluta; a Atalanta e Annibale in Torino. A primeira, de Giuseppe Giordani, foi representada pela primeira vez em 27 de Dezembro de 1791. Integrou-se emocionalmente no papel da protagonista e fez uma Atalanta de grande efeito. Cantaram, também, Senesino Martini em "Ippomene", e Giovanni Ansani em "Ceneo".
A segunda ópera, de Niccolò Antonio Zingarelli, foi apresentada no final da época do Carnaval de 1792, que teria o seu termo em terça-feira gorda. Luiza cantou o papel de "Adrane", com o cantor Ansani, que foi o "Annibal" da obra, e Martini que desempenhou "Artace".
M.M. (145) - Na temporada de 1791-92 a nossa cantora esteve novamente contratada pelo Teatro Regio de Turim, cantando mais uma vez duas óperas em estreia absoluta. Na primeira, a Atalanta, de Giuseppe Giordani (27 de Dezembro de 1791), cantou o papel da protagonista, com Andrea Senesino Martini ("Ippomene") e Giovanni Ansani ("Ceneo"); na segunda, Annibale in Torino, de Niccolò Antonio Zingarelli (Carnaval de 1792), cantou o papel de "Adrane", com Ansani ("Annibale") e Martini ("Artace").
Comentário - É de crer, realmente, que a Todi se tenha "integrado emocionalmente no papel da protagonista" e que tenha realizado uma "Atalanta de grande efeito". Mas isso, tanto quanto sei, não está escrito em lado nenhum e, num relato a que se exige seriedade, são afirmações que é aconselhável não fazer, exactamente por traduzirem falta de seriedade.
Não pode passar sem referência, e mais uma vez, a redacção defeituosa do sr. Eleutério quando diz: "Integrou-se emocionalmente no papel da protagonista". V.E. pretendia (e bem) que o sujeito da oração fosse "Luiza Todi", mas escreveu (e mal) uma frase em que o sujeito é "A primeira" (referido a ópera).
V.E., como de costume, copiou a sua prosa pela minha, mas, para pôr alguma coisa diferente, em vez de escrever "Carnaval de 1792" preferiu "no final da época do Carnaval de 1792". V.E. não sabia se tinha sido no final ou no princípio da época, mas sempre se arriscou a dar mais uma novidade. Pode agora ficar elucidado: a ópera estreou-se em 21 de Janeiro, o que não se pode considerar propriamente como o fim da temporada.

V.E. (256) - A versão da Didone tinha libreto de Metastasio e partitura de Sarti e de Paisiello. Luiza fez a "Dido", Carlo Marinelli cantou a parte de "Eneas", Angelo Franchi interpretou "Jarba", Rosalia Pellizzoni cantou "Araspe", Giuseppina Pellizzoni fez de "Selena" e Vicencio Pavia este como "Osmida".
Vamos conhecer o que disse Cotarelo y Mori ao começo da temporada.
La Andreozzi no dejó recuerdo duradero (...) los aplausos de sus casi paisanos.
M.M. (146) - A partitura da Didone Abbandonata era extraída das que Sarti e Paisiello haviam já escrito para o libreto do mesmo nome, da autoria de Metastasio. A distribuição foi a seguinte: Luísa Todi ("Dido"), Carlo Marinelli ("Eneas"), Angelo Franchi ("Jarba"), Rosalia Pellizzoni ("Araspe"), Giuseppina Pellizzoni ("Selena") e Vincenzo Pavia ("Osmida"). (...). O seguinte trecho de Cotarelo y Mori, que se refere à temporada iniciada em Maio de 1791, é muito elucidativo a tal respeito.
La Andreozzi no dejó recuerdo duradero (...) los aplausos de sus casi paisanos.

V.E. (257) - Aposentos, galerias e lunetas, que eram os melhores lugares, foram aumentados para o dobro, mas só nas récitas em que a Todi cantou. Isto mesmo revela o Diário de Madrid de 22 de Agosto de 1792.
M.M. (147) - (...) teriam de implicar uma modificação substancial nos preços dos bilhetes e, assim, os dos lugares principais ("aposentos", "galerias" e "lunetas") foram aumentados para o dobro nas récitas em que tomou parte a nossa compatriota, conforme anunciava o Diário de Madrid de 22 de Agosto de 1792.
Comentário – Para além da habitual e mal disfarçada cópia do texto, um novo erro de redacção para juntar a todos os anteriores: os lugares não foram aumentados para o dobro, os respectivos preços é que foram.

V.E. (257) - Tal foi o sucesso, tal o agrado demonstrado pelo público, que a direcção do teatro se viu na obrigação de assegurar a presença da cantora para o resto da temporada. Em 30 de Setembro cantou novamente a Didone Abbandonata, com repetições em Outubro.
M.M. (147) - O êxito estrondoso conseguido pela grande artista fez com que a direcção do teatro assegurasse a sua colaboração para o resto da temporada e, assim, voltou ela a cantar a Didone Abbandonata em 30 de Setembro e várias outras vezes durante o mês de Outubro.

V.E. (257) - No dia do aniversário do rei, D. Carlos IV, em 4 de Novembro foi apresentada a nova ópera, Alessandro nell'Indie, de Luigi Caruso, sobre texto de Metastasio. Estava anotado no libreto: Alejandro en las Indias (...) Domingo Rossi. Madrid. (...)
O elenco foi distribuído da seguinte forma: Angelo Franchi ("Alessandro"), Luiza Todi ("Cleofida"), Carlo Marinelli ("Poro"), Rosalia Pellizzoni ("Grisena"), Luigi Bonfante ("Gandarte") e Vincenzo Pavia ("Timagene").
M.M. (147) - Em 4 de Novembro, dia do aniversário do rei, Luísa Todi cantou a primeira récita de Alessandro nell'Indie, de Luigi Caruso, com libreto de Metastasio, ópera que teve a seguinte distribuição: Angelo Franchi ("Alessandro"), Luísa Todi ("Cleofida"), Carlo Marinelli ("Poro"), Rosalia Pellizzoni ("Grisena"), Luigi Bonfanti ("Gandarte") e Vincenzo Pavia ("Timagene").
O libreto tinha ainda as seguintes indicações:
Alejandro en las Indias (...) Domingo Rossi. Madrid.
Comentário - Note-se que, tanto em relação a esta ópera como em relação à anterior, o sr. Eleutério apresenta os intérpretes exactamente pela mesma ordem que se vê no meu trabalho. E quanto às indicações do libreto, também, por coincidência (?), as transcreve em língua espanhola, como eu fiz, podendo tê-lo feito na língua italiana, uma vez que o libreto é bilingue. Seria uma maneira de mostrar que o tinha consultado. E realmente consultou... mas na minha obra.
E, já agora, no libreto não estava anotado, estava impresso.

V.E. (258) - Houve as seguintes récitas mais, desta ópera em que Luiza Todi cantou: em 5, 6, 12, 13, 18, 25, 28 e 30 de Novembro, 2 de Dezembro, 17 de Janeiro e 5 e 12 de Fevereiro de 1793.
M.M. (148) - Luísa Todi cantou depois mais récitas desta ópera em 5, 6, 12, 13, 18, 25, 28 e 30 de Novembro, 2 de Dezembro (e provavelmente outras no mesmo mês), 17 de Janeiro e 5 e 12 de Fevereiro de 1793.

V.E. (258) - A terceira ópera que a Todi cantou nesta temporada foi a Ipermestra, de Paisiello. Estreia em 20 de Janeiro, com as récitas seguintes: em 24, 27, 29 e 31 de Janeiro e em 3 e 10 de Fevereiro. O elenco era constituído por (...).
M.M. (148) - A terceira e última ópera cantada por Luísa Todi nessa temporada foi a Ipermestra, de Paisiello, cuja primeira récita se deu em 20 de Janeiro de 1793, com o seguinte elenco: (...). As récitas seguintes cantaram-se em 24, 27, 29 e 31 de Janeiro e em 3 e 10 de Fevereiro.

V.E. (258) - Terminada a temporada no Teatro de los Caños del Peral, foi a Todi contratada para cantar em três de uma série de concertos que neste mesmo teatro se deram. Cantou no dia 17 de Março duas árias, no nono concerto, em 19, duas árias e um dueto com o cantor Carlo Marinelli, no décimo concerto, e em 21, duas árias e dois duetos com o mesmo cantor, no décimo primeiro concerto.
M.M. (148) - Terminada a temporada de ópera foi ainda Luísa Todi contratada para a de concertos, que se realizou a seguir, no mesmo teatro, facto importante e que não encontrámos referido por nenhum dos seus biógrafos. Dos doze concertos da temporada, Luísa Todi cantou em três: o 9º, em 17 de Março (duas árias), o 10º, em 19 (duas árias e um dueto com Carlo Marinelli) e o 11º. em 21 (duas árias e dois duetos com o mesmo artista).

V.E (259-260) - Em 29 de Agosto, o Diário de Madrid publicou, saída de tão "sandungueros" prelos, uma ode na forma de elogio "de la señora Todi".
Si la voz (...).
No dia 2 de Setembro encontrámos no mesmo jornal um soneto assinado. Fora seu autor D. Pedro Salanova e a poesia fôra produzida "en elogio de la dulce voz de la Todi". Dois dias depois o periódico reincidia, desta vez com uma oitava.
Lusitano hemisferio (...)
Voltamos a ter, em 7 de Setembro, matéria para o cancioneiro panegírico, escrito por alguém que se escondeu por trás de um "S". Uma referência subtil à forma como Luísa, em cena se identificava emocionalmente com a personagem que interpretava.
Al falso Eneas su trama (...)
O epigrama publicado no dia 26 de Setembro trazia por título:
A la dulce expresión (...)
M.M. (150) - Em 29 de Agosto saíu uma extensa ode "en elogio de la señora Todi", que principia:
Si la voz (...)
Em 2 de Setembro, ainda no Diário de Madrid, saíu um soneto D. Pedro Salanova "en elogio de la dulce voz de la Todi" e dois dias depois a seguinte oitava:
Lusitano hemisferio (...).
O seguinte epigrama foi publicado no número de 7 de Setembro (segundo Cotarelo y Mori) ou no de 14 (segundo Sampaio Ribeiro), assinado com a letra "S":
Al falso Eneas su trama (...)
Outro epigrama, publicado em 26 de Setembro:
A la dulce expresión (...)

V.E. (289) - Se temos de ser fiéis à verdade, devemos dizer que este duelo artístico se deu na realidade mas entre a Banti e outra cantora, a Anna Morichelli. Um pouco como o que se verificara entre a Todi e Luigi Marchesi, que tão só teve a ver com os elementos dos partidos que se constituiram por uma e pelo outro e não mais do que isso.
É certo que Fuertes foi o cronista que enfocou o aspecto da estada da Todi em Madrid. A ele se deve o tão polémico explicativo e onde beberam os demais autores, os portugueses inclusive, para a matéria em apreço.
M.M. (157) - A primeira figura da companhia lírica que actuou no Teatro de los del Peral de Abril de 1793 a princípios de 1794 foi a famosa Brigida Banti, que se estreou naquele teatro com a Zenobia in Palmira, em 30 de Maio e que lá cantou até Dezembro. Soriano Fuertes (loc. cit.), citado por Joaquim de Vasconcelos, descreve com grande soma de pormenores uma acesa rivalidade artística que se terá então estabelecido entre a Banti e a Todi, como que segunda edição da que anos antes se estabelecera entre a Todi e a Mara. Trata-se de uma pura invenção, como já o assinalou Sampaio Ribeiro e como já antes tinha afirmado Cotarelo y Mori:
Don Mariano Soriano Fuertes, desorientado por completo (...).
Realmente, Soriano Fuertes faz uma completa confusão, pois tal rivalidade, se assim se lhe pode chamar, existiu, de facto, mas entre a Banti e Anna Morichelli. Nem poderia ter sucedido com a Todi, pois, como dissemos, a Banti cantou pela última vez em Madrid em Dezembro de 1793 e a nossa compatriota só lá reapareceu em Abril seguinte, contratada de novo pela Asociación de Óperas.
Comentário - Duas notas. A primeira é que, para disfarçar um pouco a semelhança da descrição, V.E. modifica a rivalidade Todi-Mara em Todi-Marchesi.
A segunda, muito mais importante, é novamente uma intenção, nada séria e mal disfarçada, de me colocar numa situação falsa, quando diz que em Soriano Fuertes "beberam os demais autores, os portugueses inclusive". O meu texto acima transcrito é suficientemente demonstrativo. O sr. Eleutério poderá dizer que não cita explicitamente o meu nome, mas é essa evidentemente a sua intenção quando se refere aos vários autores, “os portugueses inclusive”. Não o diz de maneira explicíta, porque sabe que é mentira e o seu atrevimento, aqui, não vai tão longe. Prefere apenas deixar no ar a ideia, como já o fez anteriormente por várias vezes e como voltará a fazer.

V.E. (290) - Sobre isto escreveu Asenjo Barbieri: "cantidad grandísima para aquella época y mui superior à la que consta disfrutaram (sic) en Madrid la Banti y otras tiples contemporáneas". A Banti recebeu 100.000 reais vellon e a Morichelli 74.000. Se a estes valores forem adicionados os privilégios de que gozou Todi, como aluguer de carruagens, de móveis e um benefício com uma ópera nova, teremos a fortuna que a cantora recebeu verdadeiramente.
M.M. (158) - Assim, pela temporada de 1794-95 os vários componentes da companhia auferiram os seguintes vencimentos:
Luísa Todi.............120.000 reales vellon
(...)
O contrato da nossa compatriota atribuía-lhe, portanto, uma "cantidad grandisima para aquella época y muy superior a la que consta disfrutaron en Madrid la Banti y otras tiples contemporáneas a la Todi" (Barbieri, transcr. n'A Arte Musical, 7, 1-Set.-1874).
Esta afirmação é realmente verdadeira, pois, pela temporada anterior, a Banti recebeu 100.000 reales e a Morichelli 74.000, sendo ainda de acentuar que o contrato de Luísa Todi, além da referida verba em dinheiro, incluía também o aluguer de carros, o aluguer de móveis e um benefício com uma ópera nova.
Comentário - Deixando de parte o erro "disfrutaram" por "disfrutaron", verificamos mais uma redacção defeituosa: é ao dinheiro que receberam a Banti e a Morichelli que adicionamos os privilégios de que gozou a Todi? E aqui, vemos novamente o sr. Eleutério imperturbável, citando um autor que seguramente não leu, a não ser no meu trabalho, claro está.

V.E. (290) - A primeira récita fez-se com Demetrio, em estreia absoluta, na abertura da temporada no dia 20 de Abril. A ópera era de Metastasio e a partitura de muitos compositores, entre eles o maestro da companhia. Todi fez de "Cleonice", Giuseppe Simoni de "Demetrio", Angelo Franchi de "Fenicio", De Giovanni de "Olinto", Rosalia Pellizzoni de "Barsene" e Giovanni Liperini de "Mitrane".
A ópera Demetrio foi representada vinte e nove vezes. Teve seis representações em Abril, nos dias 20, 21, 22, 26, 27 e 29; nove representações em Maio, nos dias 1, 4, 6, 10, 11, 15, 18, 22 e 25; três em Julho, nos dias 1, 8 e 10; duas em Setembro, dias 28 e 29; cinco em Outubro, dias 2, 12, 16, 26 e 30; quatro em Dezembro, dias 10, 20, 27 e 30.
M.M. (158) - Luísa Todi estreou-se com o Demetrio, sobre libreto de Metastasio, na récita inaugural da temporada, em 20 de Abril. A ópera, dada então em estreia absoluta, tinha música de vários compositores, na maior parte de Pietro Carlo Guglielmi, que foi também quem fez o arranjo da partitura. Quanto ao elenco, foi constituído por Luísa Todi ("Cleonice", rainha da Síria), G. Simoni ("Demetrio"), A. Franchi ("Fenicio"), P. De Giovanni ("Olinto"), R. Pellizzoni ("Barsene") e G. Liperini ("Mitrane").
O Demetrio foi levado à cena em 20, 21, 22, 26, 27 e 29 de Abril; 1, 4, 6, 10, 11, 15, 18, 22 e 25 de Maio; 1, 8 e 10 de Julho; 28 e 29 de Setembro; 2, 12, 16, 26 e 30 de Outubro; e 10, 20, 23 e 27 de Dezembro.
Comentário – Mais uma vez, é evidente a semelhança dos textos, excepto no que se refere às últimas duas récitas de Demetrio, que foram em 23 e 27 de Dezembro e não em 27 e 30. No dia 30 não houve récita. Apenas uma pergunta: onde encontrou o sr. Eleutério este elenco? O Diário de Madrid não o anuncia e o libreto não foi consultado no original nem o sr. Eleutério lhe faz referência. Terá sido em M.M. 159?

V.E. (292) - Uma carta escrita por um dos directores do teatro de Madrid a outro elemento de direcção, permite-nos conhecer alguns pormenores.
Amigo Carabaño
Respondo a vossa mercê (...) atento servidor e amigo
Pedro Gil
Consta do sobrescrito aquilo que nos pode indiciar a data:
Carta de D. Pedro Gil sobre cantar o no la Todi en los conciertos de la Quaresma del año de 1796.
M.M. (161) - (...) temos muito fortes razões para afirmar que a cantora continuou em Madrid ou que, pelo menos, lá se encontrava em princípios de 1796. Esta afirmação baseia-se numa carta cuja tradução foi publicada por Joaquim de Vasconcelos há mais de um século (A Arte Musical, 37, 1-Set.-1874) e que não vimos mencionada em qualquer outra publicação posterior. Trata-se de um documento do maior interesse para demonstrar o empenho que o Teatro de los Caños del Peral tinha em voltar a assegurar a colaboração de Luísa Todi. A carta, dirigida por D. Pedro Gil a D. Miguel Carabaño, ambos ligados à Administração daquele teatro, é do seguinte teor:
Amigo Carabaño
Respondo a vossa mercê (...) atento servidor e amigo
Hoje, 4 Pedro Gil
Apesar de a carta não ter qualquer outra indicação de data, o sobrescrito, feito pelo escrevente e amanuense da marquesa de Astorga, tinha a seguinte indicação:
Carta de D. Pedro Gil sobre cantar o no la Todi en los conciertos de la Quaresma del año de 1796.
Comentário – Realmente, não vale a pena comentar os excertos apresentados, em relação a esta temporada em Madrid. A semelhança das redacções, a mesmíssima sequência dos relatos, a citação dos mesmos documentos, são suficientemente elucidativos. E, como mais uma vez se pode ver, V.E. entende que não é necessário esclarecer quais as fontes bibliográficas consultadas.

V.E. (294) - Capítulo "Condigna apoteóse (sic) no San Carlo di Napoli".
Comentário - Como se verá, também este capítulo é uma cópia, mais ou menos disfarçada, de "Cantores de Ópera Portugueses". A extensão do mesmo obriga a seleccionar apenas umas quantas passagens.

V.E. (295) - Por tudo o que Ribeiro Guimarães referiu, mais o facto de se tratar da cidade onde o primeiro violinista do Teatro do Bairro Alto nascera, seria muito improvável que Luiza Todi ali não tivesse cantado. Cantou e poderá dizer-se que foi a sua última paragem na digressão artística de vinte anos. (...). Em 1954, por meio dos informes de Rodolfo Celletti, particularmente sobre a entrada "Luigia Rosa Todi" elaborada para a Enciclopedia dello Spettacolo, ficámos a conhecer um pouco melhor os últimos quatro anos de vida artística da nossa cantora (...).
Comentário - Note-se como o sr. Eleutério, sem se atrever a dizê-lo claramente, deixa no leitor a ideia de que foi ele quem descobriu mais este momento da vida artística da cantora. Dos autores anteriores a ele, apenas cita Ribeiro Guimarães (que ignorava a temporada de Nápoles e cujo pequeno trabalho, embora importante, foi publicado em 1872) e Celletti (cuja entrada respeitante à Todi na Enciclopedia dello Spettacolo não adianta nada de fundamental). Apesar disso, o sr. Eleutério diz que graças a Celletti "ficou a conhecer um pouco melhor" os últimos quatro anos da vida artística da cantora. Pressupõe-se que já conheceria alguma coisa, embora não se saiba o quê.
Nota final: a grafia "primeiro violinista" está errada. O que o sr. Eleutério deveria escrever é "primeiro-violinista". Poderá parecer-lhe que aquele hifen é coisa de somenos importância, mas não é. A sua ausência modifica por completo o sentido.

V.E. (296) – Terminada a temporada de ópera em Madrid, no Teatro de los Caños del Peral, o casal Todi saíu da cidade. Estava-se na segunda metade de Fevereiro de 1795.
Comentário – Recordo agora a carta da Todi que V.E. publica na pág. XXVI e verifico, mais uma vez, que a leitura da mesma (se é que a leu e compreendeu...) não lhe foi de grande utilidade. A carta foi escrita pela Todi em Madrid, em 27 de Fevereiro de 1795 e nela se lê: “Deu-me grande alegria o feliz anúncio da chegada aí do meu consorte, a quem desejo (como devo) toda a prosperidade e sorte no feliz êxito dos nossos assuntos”. Novo êrro, portanto, do sr. Eleutério: a Todi em 27 de Fevereiro estava em Madrid (e certamente que ainda lá continuou) e o marido estava em Lisboa pelo menos desde meados de Janeiro, pois a carta que anuncia a sua presença na capital tem a data de 23 de Janeiro.

V.E. (298) - Lemos num jornal de Nápoles, e 3 de Janeiro (sic): "Depois que o nosso exército (...) tratados depois deste prazo como espias".
Comentário - O sr. Eleutério, como de costume, achou supérfluo dizer-nos o nome do jornal e onde foi que o leu.

V.E. (299) - Todos os estrangeiros temeram ser tomados por franceses e terem o destino que a proclamação previa. Entretanto mudou a sorte da guerra. Em 20 de Janeiro de 1799 as tropas francesas entraram na cidade. Passou a viver-se na recém-criada "República Partenopeia". Não que o sistema político vigente fosse do desagrado dos Todi mas porque tudo estava muito confuso. [esta redacção também...]
M.M. (165) - Pouco depois começava a perseguição aos franceses e em fins de Dezembro já todos os estrangeiros se escondiam com medo de serem confundidos com eles.

V.E. (299) - Fechemos com uma apreciação à actriz e à cantora, elaborada por Adolfo Celletti para a Enciclopedia dello Spettacolo.
Fu una delle maggiori cantante del suo tempo nel genere patético. (...) manieratamente sensibilizzato dal genere "larmoyant".
Comentário - O nome de Celletti é Rodolfo e não Adolfo. E, como não podia deixar de ser, mais um desfile de erros de ortografia, os tais “erros de transcrição” que o sr. Eleutério pretendia eliminar e a que, pelo contrário, não consegue fugir: "cantante" por "cantanti", "patético" por "patetico", "tcanto" por "canto", "expresivo" por "espressivo", "dell" por "del", "in" por "il", "neoclasicismo" por "neoclassicismo", "Com" por "Con", "anterprete" por "interprete", "conturnado" por "contornato", "dramático" por "drammatico", "commuover" por "commuovere".

V.E. (299) - Hoje o Teatro de São Carlos de Nápoles não existe, depois de ter sido destruído por um incêndio no dia 12 de Fevereiro de 1816, notícia que certamente teria causado dor a Luiza, mas também não existe a sua voz.
Comentário - O teatro que foi destruído, é evidente que não existe. Mas dizer "hoje o Teatro de São Carlos não existe" é afirmação que, se traduz o pensamento do autor (como tudo indica), só pode significar uma completa ignorância.

V.E. (301) - Houve casos de história inventada mas também tivemos daqueles em que não houve imaginação que os preenchesse. [em V.E. não falta nem imaginação nem invenção...]. Na vida de Luiza Todi persistiu um vazio do tamanho de um lustre que ficara apagado.
Tornou-se necessário recuperar a história e enfrentar esses anos obscuros por forma a esclarecer o lapso de tempo entre 1796 e 1803, quanto à incógnita que sobre eles pairou. (...)
Ribeiro Guimarães nada sabia sobre estes oito anos. Joaquim de Vasconcelos, em 1873, também não, e no ano seguinte diz que Luiza Todi viveu em Nápoles nos anos de 1796 e 1797. Ernesto Vieira, no seu "Dicionário Biográfico", dá a notícia que "em 1796 contratou-se para Nápoles, última estação da sua brilhante carreira". Tomás Borba e Lopes Graça dizem que terminou o contrato em Nápoles em 1796 e que teria regressado a Portugal. Rodolfo Celletti, já em 1954, e outros, como Schmidl, Bogiankino, De Filippis e Arnese, Croce, Florimo, são mais esclarecedores sob este ponto de vista e revelam-nos um conjunto de temporadas actuando no Teatro San Carlo nesses anos, com uma referência muito especial que lhe faz Chiara Serino. Mário Moreau já faz parte de uma nova corrente de biógrafos de Luiza Todi, bem mais esclarecida.
M.M. (162) - Este último período da vida de Luísa Todi tem sido muito mal conhecido por todos os seus biógrafos. Assim, Ribeiro Guimarães ignorava-o por completo; Joaquim de Vasconcelos, em 1873, também, e no ano seguinte diz apenas que a cantora viveu em Nápoles nos anos de 1796 e 1797; Ernesto Vieira limita-se a dizer, no capítulo inicialmente escrito para o seu "Dicionário Biográfico", que "em 1796 contratou-se para Nápoles, última estação da sua tão brilhante carreira", embora em apêndice dê informações um tanto mais pormenorizadas; Sampaio Ribeiro, certamente que não o ignorava, mas não lhe faz qualquer referência; a Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira também nada diz a tal respeito; e Tomás Borba e Lopes Graça afirmam que em 1796 a cantora se despediu do teatro de Nápoles, regressando então a Portugal.
Não conhecemos em trabalhos portugueses mais qualquer esclarecimento a respeito deste período. Eis o que conseguimos averiguar em autores estrangeiros (Celletti, Schmidl, De Fillipis e Arnese, Croce, Florimo). (...)
Comentário - Para além da reprodução quase ipsis verbis do meu texto, V.E. considera que eu já faço parte de "uma nova corrente de biógrafos bem mais esclarecida". Parece-me poder interpretar esta afirmação como um elogio, o que, vindo da pena tão prestigiada de quem vem, não pode deixar de me sensibilizar. Só não consegui descortinar quem são os biógrafos que constituem a tal nova corrente, pelo que, ainda que provisoriamente, sou levado a pensar que essa corrente é constituída apenas pela minha pessoa. E ficamos agora com a maior curiosidade em conhecer as novidades que o sr. Eleutério nos vai dar acerca dos anos 1796 a 1803.
Se não fosse pedir muito, gostaria de saber onde se pode ler Chiara Serino e também que obras de De Fillipis e Arnese, Croce e Florimo consultou o sr. Eleutério e onde.

V.E. (302) - Capítulo "Por dentro dos anos obscuros".
Francesco Saverio Todi, e a mulher, em 10 de Março de 1796 estavam em Portugal a fim de tratar de assuntos particulares que passavam por constituir seus procuradores o cunhado (...)
Comentário - V.E. dá conta de documentos que comprovam esta vinda de Francesco Todi a Lisboa. É uma das raras novidades que nos dá no seu trabalho e, sem dúvida, com muito interesse. Não me dispenso, porém, de fazer um comentário. V.E. diz - e comprova - que Francesco Todi estava em Lisboa em Março de 1796; mas diz também - e não comprova - que Luísa o acompanhou. Aliás, a presença de Luísa não era necessária para a realização de tal escritura nem o seu nome figura na mesma. Não me atrevo a considerar impossível que a cantora tenha vindo também, mas isso não fica de maneira nenhuma demonstrado. Mesmo que tenha sido esse o seu desejo, vários obstáculos se opunham a tal viajem: más condições físicas, dela ou dos filhos, para uma deslocação fatigante, necessidade de tratar dos preparativos para a viajem a Nápoles, necessidade de receber sem qualquer atraso o esperado contrato para aquela cidade italiana, etc.

V.E. (303) - De Madrid dirigiram-se a Lisboa, e não a Nápoles como tem vindo sendo dito, para um arrumo de questões e fixação de residência definitiva na cidade italiana onde Todi nascera. Só em princípios de Junho se tornava imprescindível que ali se encontrassem. Compreende-se agora, a persistente recusa de Luiza a qualquer contrato em Madrid, já que dispunham do tempo estritamente necessário para quanto se lhes impunha fazer.
A viagem por mar, directamente ao porto de Nápoles, envolveria uns poucos de dias apenas.
Foi quanto nos permitiram os novos dados encontrados.
Da estada em Nápoles já dispomos de quanto precisávamos saber, como, também quando [quanto] à precipitada saída daquela cidade, frustrando-se os planos que tinham traçado para anos de repouso de tão intensa como prolongada actividade artística.
Comentário - Talvez só em princípios de Junho fosse necessário chegar a Nápoles, mas a verdade é que a família Todi chegou àquela cidade em 1 de Maio.
V.E., mais uma vez, não nos diz quais foram “os novos dados encontrados” nem onde os encontrou.
A auto-suficiência do sr. Eleutério é verdadeiramente deslumbrante. Com que então, "da estada em Nápoles já dispõe de quanto precisava saber"? Não se pode dizer que seja muito exigente... Em contraste com esta afirmação, recordemos que, na pág. 295, V.E. dizia que graças a Celletti “ficara aconhecer um pouco melhor” os últimos quatro anos da carreira da Todi. E quanto à "precipitada saída daquela cidade", prefiro deixar os comentários para as notas seguintes. Aqui, gostaria apenas de saber como foi que o sr. Eleutério descobriu os planos de repouso do casal Todi.

V.E. (303) - Quanto à viagem de regresso, vejamos. As fragatas napolitanas corriam, por essa altura graves riscos no Mediterrâneo. Por outro lado verificava-se uma fraca ligação com Lisboa, porto onde em 1797, segundo a estatística publicada pela Gazeta, apenas uma fragata napolitana ancorara. As comunicações faziam-se com maior confiança, não se diga segurança, por terra, apesar de os viajantes poderem ser interceptados por civis armados. A norte organizava-se o aumento do exército Cisalpino. Pois pelo norte havia uma saída possível. Partiram, nesse final de Inverno, de uma Itália em estado de guerra. Atravessaram uma Espanha que estava longe de ser uma nação aquietada. Em plena Primavera pressentia-se no ar a proximidade da terra portuguesa.

V.E. (309) - Luiza abandonou o canto. Deixaram a casa, abandonaram Nápoles. Para trás ficava a violência da guerra, que se apossara da cidade. Subiram à primeira mala-posta e viajaram dias e noites seguidas por estradas do norte. Houve mudas e paragens. Esperas e novas mala-postas. Frio duro. O cocheiro espevitava os cavalos, não os deixava perder o fulgor. (...) Entrou em Portugal trocando uma Galiza raiana miserável por um Minho sumido no abandono. (...). Contudo, esta era a sua terra. Sentiu a chamada. Subiu à boleia e foi receber a friagem, o vento cortante do poente. (...).
No ar, apenas o ruído abafado de cavalos a galope e o ranger de rodas a esmagar a areia do caminho. Apostava-se tudo em nunca perder o ritmo da marcha. (...).
Atravessaram aldeias e lugares onde os trabalhos do campo se interrompiam antes do pôr do sol (...). Cruzaram vilas (...). A carruagem reluzente com cavalos resfolegantes chegou à cidade [do Porto]. Cumpriram-se as formalidades na Porta do Olival, e desceram ao centro do burgo a fim de se alojarem nalguma estalagem.
Comentário - Francamente, depois desta prosa e da anterior, é difícil encontrar as palavras justas. O sr. Eleutério, desde o início do livro tem dado frequentes mostras de falta de rigor nas conclusões que tira e nas afirmações que faz. Quando não sabe uma coisa, não é raro que a invente com o maior dos à-vontades, convencido de que basta o peso da sua suposta autoridade para que a sua palavra valha como verdade eterna. Quando encontra bases credíveis, apropria-se delas; quando não encontra, põe a imaginação a funcionar e proclama "a sua verdade".
Qualquer pessoa aceitaria que o sr. Eleutério dissesse, como eu disse em "Cantores de Ópera Portugueses", não saber como nem quando regressou a família Todi a Portugal. Mas, para preencher estes importantes catorze meses da vida da cantora, inventar datas e percursos, numa prosa sem escrúpulos, romanceada e recheada de pormenores, onde não existe nem uma palavra de verdade, é coisa altamente reprovável e que retira toda a credibilidade a um autor que porventura a tenha (o que não me parece ser o caso). O sr. Eleutério não teve qualquer peso na consciência ao fazer esta descrição. Ele sabia muito bem que estava descrevendo uma completa falsidade, mas a ânsia de colher louros graças a um relato que até então ninguém fizera, levou-o a escrever aquele texto de sua imaginação, com a perfeita consciência de estar enganando os seus leitores e de deixar para a posteridade uma mentira que pretendeu fazer passar por verdade. Esta descrição constitui uma mancha indelével, a juntar a outras, na imagem do sr. Eleutério como autor, e espero que, também, motivo de profunda vergonha. Recomendo-lhe a leitura da minha recente obra. Pode ser que encontre nela novos elementos para publicar como inéditos num seu futuro livro.

V.E. (311) - (...) e que, com singeleza, revolucionara o canto pondo-lhe notas de emoção, claves de sol radioso e suspirados sustenidos guturais!
Comentário - "Claves de sol radioso" seria uma imagem poética aceitável se incluída noutro tipo de texto. Neste caso, como não se trata de um romance nem de poesia, parece-me descabida. E quanto aos "suspirados sustenidos guturais", talvez existam no planeta Júpiter ou em Saturno; aqui, na Terra, ninguém imagina que coisa possam ser. Talvez só o sr. Eleutério. Esta não lembraria ao Diabo...

V.E. (316-322) - V.E. refere factos da fase final da vida de Luísa Todi (o inventário, as dívidas de que era credora, etc.), já por mim assinalados (M.M. 168 e segs.).

V.E. (330) - Francesco Saverio Todi entrara para a irmandade em 11 de Agosto de 1766, pelo que se deduz dos livros de registo dos irmãos músicos.
Uma nota aposta no livro de cobrança da irmandade diz-nos que "D. Luiza Todi, viúva de Saverio Todi, pagou em 1812 todos os anuais que este tinha ficado a dever desde 1774, na importância total de 13$680 réis".
M.M. (172) - No livro de recebedorias da Irmandade de Santa Cecília encontra-se a seguinte nota:
D. Luisa Todi viúva de Saverio Todi desde 1774 pagou em 1812 todos os annuaes desde esse ano, na importância de 13$680 réis".
A nota está, evidentemente, mal redigida; o que se pretendeu escrever foi que Luísa Todi pagou os anuais em dívida desde 1774. A dívida era consequência de Francesco Todi se ter ausentado de Lisboa sem anular a inscrição.
Comentário - É claro que a redacção que V.E. atribui à nota da Irmandade está gramaticalmente correcta, mas historicamente incorrecta. Não é isso que está escrito no livro de recebedorias.
A data da inscrição de Francesco Todi na Irmandade foi referida por mim em M.M. 58-59. E não se trata de uma dedução no livro da Irmandade, mas sim de uma verificação.

V.E. (330) - Tendo Luiza pago todas as anuidades em dívida, em 1812, deu a Mesa da Irmandade de Santa Cecília despacho em 13 de Março de 1813. Este facto vem corroborar a afirmação de que Luiza teria vindo para Lisboa nos últimos dias de 1811, e não conforme as hipóteses aventadas pelos vários autores que se interessaram pela sua biografia quando apontaram o ano de 1809, de 1810, sem qualquer fundamento.
M.M. (170) - Gorada a fuga, Luísa Todi continuou no Porto, e só mais tarde, parece que em 1811, veio definitivamente para Lisboa.
Comentário - A redacção deste texto, como é frequente, é de má qualidade, mas dá para compreender.
V.E., como também é seu hábito, faz uma afirmação pouco explícita, não esclarecendo quem são "os vários autores". Isso permitirá supor que são todos e que, mais uma vez, é V.E. quem vem esclarecer o assunto.

V.E. (331) - V.E. descreve os motivos que levaram à entrada de Adelaide Todi no Recolhimento de Rilhafoles e as vicissitudes desse internamento.
Comentário - Trata-se de uma nova visão deste episódio, muito mais bem documentada e que, sem dúvida, vem completar e corrigir o artigo de Ângelo Pereira por mim referido (M.M. 170-171).




REFERÊNCIAS CRÍTICAS APRESENTADAS EM "CANTORES DE ÓPERA PORTUGUESES" E REPRODUZIDAS TEXTUALMENTE
NO LIVRO DE VICTOR ELEUTÉRIO

75; 130 = The Opera House (...).
75; 130 = The new singers (...).
77-78; 131 = A new comic opera (...).
79; 135 = Le jour de la Toussaint (...).
80; 136 = Le huit de ce mois (...).
80; 136 = Rien n'est comparable (...).
81; 137 = Les concerts qu'on a donné (...).
82; 138 = Le concert qu'on a donné (...).
82; 138 = Les différens virtuoses (...).
83; 139 = Ces étranges phénomènes (...).
84; 139 = Les concerts qu'on a donné au Château (...)
85; 140 = Madame Todi a chanté (...).
85; 159 = Madame Todi, après une absence (...).
90; 170 = Viena, 28 de Dezembro (...).
91; 171 = Alemanha, Viena, 5 de Janeiro (...).
91; 172 = Viena, 19 de Janeiro (...).
93; 177 = On a pu distinguer (...)
95; 179 = Les Concerts de cette Quinzaine (...).
95-99; 180-183 = Il y a eu depuis (...).
99; 183 = Il y a eu Concert Spirituel (...).
99; 185 = Mmes. Todi et Mara (...).
105; 194 = A célebre cantora Luísa Todi (...).
115; 204 = Apesar da grande curiosidade (...).
116; 207 = Paris, 7 d’Abril (...).
116; 207 = Mais ce qui avoit sur-tout (...).
117; 208 = Il y a long-temps (...).
121; 227 = Il grido della celebre signora Todi (...).
124; 231 = Eccelente attrice (...)
126; 233 = (...) com o rosto perturbado (...)
129; 239 = Tutti quelli che fuori (...).
137; 246 = Egli tocca tutti i tasti (...).
141; 250 = Padova, 14 Giugno 1791 (...).
142; 251 = (...) ma da quanto io sento (...).
153; 266 = La Preghiera Esaudita (...)
154; 267 = Na tarde do mesmo dia (...).
160; 291 = El gentío que acudió al teatro (...).




OUTROS DOCUMENTOS, OU EXCERTOS DE DOCUMENTOS, CONSTANTES DE "CANTORES DE ÓPERA PORTUGUESES" E REPRODUZIDOS NO LIVRO DE VICTOR ELEUTÉRIO, SEM INDICAÇÃO DA PUBLICAÇÃO ANTERIOR NA MINHA OBRA

38; 154 = Registo de óbito de Cecília Rosa de Aguiar.
59; 89 = Registo de casamento de Francesco Saverio Todi com Luísa Rosa de Aguiar.
66; 99 = Carta de Gaubier de Barrault.
71-72; 110 = Escripturada por hum ano (...).
73; 110 = Venceu de 4 de Setembro (...).
85; 141 = Après mon mariage (...)
104; 193-194 = Excertos de cartas de Catarina II.
105; 194 = A célebre cantora Luísa Todi (...).
105; 196 = Le sr. Todi m'a remis (...).
107; 196 = Très Auguste Impératrice (...).
110; 197 = Mme. Todi n'aura la sienne (...).
111; 198 = Mme. Todi est ici (...)
113; 201 = Castore e Polluce (...).
113; 201 = (...) reçu hier (...) la longuissime lettre (...).
119; 211 = Por causa destes divertimentos (...).
120; 212 = Madame: N'ayant pu (...).
126-127; 237 = Dísticos latinos e uma poesia.
138; 246 = Soneto: Casca e se rompe (...)
139; 247 = 1791. 20 Marzo. Venezia
139; 248 = Madame: Secondando (...).
147; 256 = La Andreozzi no dejó (...).
148; 257 = Alejandro en las Indias (...).
150; 259-260 = Composições poéticas.
161; 292 = Amigo Carabaño (...).
173; 330 = Casado com D. Luísa Todi (...).
173; 330 = Pagou sua mulher (...).
178; 235-236 = La Todi ebbe culla sul Tago (...)




COMENTÁRIOS FINAIS

Da leitura do livro de Victor Eleutério (V.E.) ressaltam vários aspectos negativos - e graves - que não podem deixar de ser denunciados.

1) O autor redigiu a maior parte do seu trabalho com evidente e (quanto a mim) ilegítimo aproveitamento do capítulo que dediquei a Luísa Todi no 1º volume da minha obra "Cantores de Ópera Portugueses". Deste modo, apossou-se de todos os elementos biográficos, em grande parte inéditos, por mim publicados depois de vários anos de pesquisas em várias bibliotecas e arquivos estrangeiros, com quase todas as despesas suportadas pelo meu bolso. Nomeadamente, as temporadas de Lisboa, Londres, Paris, Turim, Sampetersburgo, Berlim, Veneza, Madrid e Nápoles, além de actuações na Alemanha, Suíça e cidades francesas, foram redigidas com base nos elementos constantes da minha referida obra, como datas, óperas, teatros, elencos, papéis desempenhados, programas dos concertos, críticas dos periódicos da época e outros factos de interesse. Apenas alguns exemplos: págs. 31, 65, 74, 98-103, 109, 129-132, 134, 135, 138-139, 139, 140, 140, 140, 141-142, 143 (legenda), 146-154, 159, 159 e segs., 160, 161, 162, 172, 179,183, 184, 190, 192, 193, 193, 193, 194, 194, 196, 200, 202, 204, 207, 207, 207, 208-209, 210, 211, 214, 226, 226-227, 227, 227, 231, 231, 233, 237, 237, 237, 238, 239, 240, 242, 243, 243, 243, 244, 246, 246, 246, 247, 247, 250, 250, 250, 250, 251, 251, 251, 251, 252, 253, 253, 253, 253, 256, 257, 257, 257, 258, 258, 258, 259-260, 289, 290, 290, 292, 294, 299, 301, 316-322, 330, 330).

2) O autor não se limitou a recolher toda a informação constante do meu trabalho; foi mais longe, ao apresentar frequentemente uma redacção muito próxima da minha, por vezes mesmo sem qualquer alteração ou com alterações mínimas.

3) O autor, mais do que uma vez, refere-se de maneira depreciativa ao meu referido trabalho de investigação, como, por exemplo, quando diz que dei "um certo arrumo" ao capítulo "Turim". O "certo arrumo" a que V.E. se refere não o impediu de se apossar de toda a informação contida na minha obra e nomeadamente naquele capítulo. Outras vezes, falseando a verdade, diz, explícita ou implicitamente, que tirei conclusões erradas ou que subscrevi erros cometidos por outros autores (por exemplo, págs. XXIV, 35, 60, 118, 134, 175, 177, 179, 214, 289, 295, 330).

4) V.E. atribui-me, mais do que uma vez, e mentindo, a intenção de denegrir a imagem de João Gomes Varela, empresário do Teatro do Conde de Soure (págs. 36, 82), quando a verdade é que me refiro a ele de maneira elogiosa.

5) Em várias páginas do seu livro, V.E. reproduz documentos do maior interesse, como se fossem resultado da sua investigação, sem se referir à minha obra, onde já tinham sido publicados (por exemplo, págs. 98-103, 141-142, 211, 246, 247, 292, 298).

Para além do que fica exposto e que diz respeito não só ao aproveitamento abusivo do meu trabalho, como à mal disfarçada intenção de apoucar a minha imagem, há ainda outros aspectos do livro de V.E. que, embora não colidindo propriamente com a minha referida obra, infrigem princípios morais e normas legais e são merecedores de severa reprovação pelo que revelam de falta de seriedade na exposição de um tema histórico-biográfico. Assim:

6) V.E. reproduz muitas gravuras e quadros sem indicar quem são os seus autores e sem referência a quem anteriormente publicou alguns deles, nomeadamente eu próprio (págs. 43, 48, 51, 65, 143, 160, 167, 168, 170, 183, 209, 215, 219, 226, 230, 234, 245, 264, 271, 276, 280, 294, 295, 296, 310, 312, 343).

7) Também nem sempre é explícito na indicação do periódico de onde diz ter retirado uma notícia ou uma crítica e, pelo menos duas vezes, omite essa indicação (págs. 179 e 298).

8) V.E. reproduz excertos de outros documentos (livros, cartas, etc.), omitindo as fontes de informação (por exemplo, págs. XIV, 89, 190, 292).

9) V.E., com frequência, tira conclusões abusivas ou faz afirmações sem indicar um fundamento credível (por exemplo, págs. XX, 56-57, 60, 89, 90-91, 107, 118, 140, 142, 143, 144, 161, 162, 186, 196, 214, 243, 253, 302, 303).

10) V.E. faz afirmações incorrectas, que por vezes são mesmo uma completa torrente de disparates e que revelam uma total ignorância do assunto (por exemplo, págs. 60, 90-91, 198, 243, 299, 311).

11) V.E. tem, frequentemente, imprecisões de linguagem e, pior, uma redacção incorrecta, que dificulta a compreensão do texto, que o torna mesmo ininteligível ou que acaba até por exprimir uma idéia oposta à que o autor tem em mente (por exemplo, págs. XIV, 29, 59, 60, 186, 257, 244, 290).

12) V.E. dá, na língua portuguesa, frequentes erros de ortografia. Na língua italiana, em que lhe bastaria copiar correctamente, os erros são às dezenas (por exemplo, págs. 141-142, 207, 227, 235-236, 239, 240, 245, 247, 251, 253, 299).

13) No domínio das "invenções", V.E. atinge os limites do despudor ao preencher catorze meses da vida de Luísa Todi com uma descrição totalmente fantasiada, que apresenta como resultado da sua investigação, em que não há a mínima ponta de verdade e que, só por si, bastaria para o desacreditar se outras razões não houvesse (págs. 303, 309!!!).

14) Finalmente, V.E., no seu livro, que pretende apresentar como sério ("uma consagração", no seu dizer!), foge à obrigação elementar de incluir uma bibliografia, limitando-se a indicar uma lista de arquivos e bibliotecas onde diz ter decorrido o seu trabalho de investigação.


Epílogo (ou talvez não…)

Apresentei o caso à Sociedade Portuguesa de Autores, cujo advogado concluiu, de imediato, estar perante um livro em grande parte ilegitimamente decalcado na minha referida obra. Essa conclusão, aliás fácil, não foi abalada até ao presente. Perante isto, a S.P.A. moveu uma acção judicial contra o sr. Victor Eleutério, em que eu figurei como assistente. As alegações preliminares terminaram em Março de 2003 e o julgamento só teve início em Abril de 2008 (passados cinco anos!). A certa altura desses cinco anos, o advogado da S.P.A. pediu-me a indicação de duas testemunhas, que deveriam depor nas audiências, o que fiz três ou quatro dias depois (senhores Dr. Álvaro Malta e Victor Couto Viana)). E logo nessas audiências (duas) passaram-se casos muito estranhos para os quais não encontro explicação aceitável. Para começar, minutos antes da primeira audiência, não vendo a presença das testemunhas por mim indicadas, perguntei ao meu advogado a razão de tal ausência. Respondeu-me, com toda a naturalidade, que isso não seria importante, porque ele tinha trazido duas testemunhas da S.P.A. Nunca consegui perceber o que se pretendia que elas testemunhassem, uma vez que só me conheciam de vista e eu nem sequer de vista as conhecia.

Tenho igualmente dificuldade em encontrar explicação para a estratégia do meu advogado, abdicando, ao longo das duas audiências, dos principais argumentos de que dispunha e para os quais lhe chamei repetidas vezes a atenção, verbalmente e por escrito, logo de início, durante as duas audiências e na ante-véspera da segunda. Tive uma conversa com ele depois da primeira audiência, para lhe manifestar a minha preocupação pelo modo como ela decorrera e, passados dias, dei-lhe a ler uma série de notas sobre pontos fundamentais a focar na audiência seguinte. A sua atitude era então de franco optimismo mas, mesmo assim, pediu-me para ficar com essas notas, que considerou muito importantes. O optimismo que sempre manifestou desde o início, desapareceu durante a segunda audiência e a explicação só a obtive algum tempo depois de proferida a sentença. É que, nessa segunda audiência, uma testemunha da parte contrária exibiu o que disse ser uma fotocópia de uma página de um livro que serviu para as minhas investigações e também, pretensamente, para as do sr. Eleutério. Segundo o próprio réu e as suas testemunhas, o referido livro foi pedido emprestado a uma biblioteca francesa e enviado para Lisboa, a fim de ser cá fotocopiado. Esta declaração despudorada passou sem qualquer comentário. Vemos, deste modo, que uma simples fotocópia (cujo valor probatório, pelo menos durante o julgamento, não foi demonstrado) foi suficiente para fazer desmoronar todo o edifício da argumentação do meu advogado. Sem comentários.
Quanto ao despacho da juíza, ocupa as primeiras dezóito páginas com a confrontação de dezenas de excertos da minha obra com excertos correspondentes do livro do réu. Em todos esses casos dá como provada a identidade dos textos, o que, aliás, e segundo o meu advogado, já fôra reconhecido antes das audiências. Mas surgem depois considerações de ordem jurídica que, no parecer da juíza, retiram todo o significado ao que anteriormente fôra dado como provado. E, como tal, a sentença considerou improcedente a queixa apresentada.
Fiquei perfeitamente esclarecido quanto àquilo que diz a lei mas, com a legitimidade que me assiste na qualidade de cidadão na posse de todos os seus direitos, não posso concordar com a decisão da juíza e, por outro lado, considero completamente inútil e inócua a argumentação do meu advogado.
E como a S.P.A. entendeu não recorrer, com base no parecer do advogado e segundo a informação que me foi prestada por este (já que a S.P.A. não considerou necessário responder directamente ao meu pedido de informação); e como também não tenho paciência nem tempo para esperar “outros sete anos” (como o Jacob do soneto de Camões) por novo julgamento, em cuja utilidade perdi completamente a esperança, decidi apresentar este caso a outro tribunal, em que tenho muito mais confiança: o da opinião pública.

Restará acrescentar que, por três vezes, pedi ao presidente do Conselho de Deontologia de Lisboa da Ordem dos Advogados o obséquio de me esclarecer quanto à legitimidade ou ilegitimidade da substituição de testemunhas pelo meu advogado, sem meu conhecimento prévio e, pior ainda, sem minha autorização. A nenhum dos pedidos, enviados por carta registada e com aviso de recepção, o senhor presidente teve a gentileza elementar de me responder, o que, a meu ver, não constitui propriamente um modelo de boa educação. De qualquer modo, penso legítimo deduzir, de tal silêncio, que na referida substituição e ao contrário do que eu supunha, não há nada de réprobo e que o senhor presidente se solidariza com ela e a subscreve sem reservas. De outro modo, por certo que não deixaria de ter uma atitude diferente, de acordo com os estatutos da Ordem. Quanto à atitude que teve para comigo, essa, seguramente, teria sido sempre a mesma, porque depende de outros estatutos que, pelos vistos, o senhor presidente desconhece...